sábado, 27 de fevereiro de 2010

João Ubaldo: "Contra o interesse econômico, um artigo resolve muito pouco"

(Foto: Marco Aurélio Martins)

Katherine Funke

(Revista Muito, jornal A Tarde, 28/02/2010)

“Quando eu morava em Itaparica, me dava pena ver aquela geração de jovens fortes, dispostos, boa gente, bem formados, com duas opções de futuro: ou migrar de lá, e nunca mais aparecer, ou cair na cachaça, no desemprego, na saúde precária já aos quarenta anos. Ficam uns cacos. As moças, tão bonitas, cada princesa que você vê assim aos doze, treze, quatorze anos, você chega uns cinco anos mais tarde já encontra aquela velhota de quarenta e cinco. Já sem dente, por causa da gravidez precoce, aquela tristeza que a miséria produz. Eu então chamei o pessoal e falei: ´aqui tem uma certa infra-estrutura, vamos bolar um calendário para a ilha? Por exemplo, um festival de pesca de peixe miúdo; em setembro, que é época de vento, empinar arraia, fazer um festival disso… Um festival de música qualquer, uma onda.. Inventar coisas, bolar…´. Rapaz, foi um negócio! Criaram comissão, já queriam botar jeton pra mim (algum dinheiro), eu disse, ´eu não quero jeton nenhum, eu não sou de comissão, ainda mais vindo do imposto pago pelo povo, que é miserável…´ (risos). Foi tal confusão e apresentação de planos. As pessoas entravam, cada qual com seu ´peixe´ pra vender. As pessoas falavam e não se ouviam, esperavam a própria vez – mesmo que fosse pra repetir o que foi dito na fala anterior (risos). Acabou que parte da Câmara Municipal de lá se reuniu e, se pudesse revogar um registro civil, eles revogavam o meu. Começaram a se referir a um bando de ´forasteiros´. Aí mandei todo mundo pra puta que pariu: ´vocês vão ficar na merda, mesmo, se quiserem´. Porque lá dizem que eu ´nunca fiz nada pela ilha´. Quando eu fui escrever para O Globo, pela primeira vez, já há uns vinte anos, escrevi logo mencionando Itaparica. Aí vieram me lembrar que eu estava escrevendo para um jornal carioca, que não botasse ´esse negócio de Itaparica, ninguém nunca ouviu falar, fica melhor direcionar sua crônica para o público carioca e tal…´. Deram a mim uma orientação amigável à qual eu não dei a menor importância. E Itaparica hoje, ao ser mencionada, não precisa que ninguém mais explique que é uma ilha, antigamente tinha que botar: ´Itaparica (ilha localizada na Baía de Todos-os-Santos)´. Hoje não precisa. No entanto, dizem que eu nunca fiz ´nada pela Ilha´. É igual dizer que Dorival Caymmi, porque nunca fundou um asilo com o próprio nome, nunca fez nada pela Bahia” (Notícias da Bahia, Feira de Santana, maio de 1999)

O depoimento acima é do escritor João Ubaldo Ribeiro, 69, que mora no Rio desde 1992, no apartamento que já foi de Caetano Veloso. A reportagem da Muito #100, que está nas bancas neste domingo (28/01), conta que João Ubaldo gosta de curtir o verão no lugar onde nasceu: a casa do avô na ilha de Itaparica, onde morou por quase oito anos – já escritor reconhecido, na década de 80.

Lá, reencontra velhos conhecidos, descansa um pouco e repete um certo ritual diário: manhãs no mercado do peixe e almoços no Largo da Quitanda. Fica, em tese, livre do assédio da grande imprensa.

Este ano, passou um mês em Itaparica, entre as primeiras semanas de janeiro e de fevereiro. Não foram férias totalmente calmas, já que Ubaldo não se aquietou: levantou polêmica ao se posicionar contra a ponte entre Salvador e Itaparica. A obra foi anunciada pelo governo do Estado sob o título de “Sistema Viário Oeste”, no começo de janeiro.

Se a postura de João Ubaldo ganhou o apoio de gente famosa e influente no meio artístico, como Chico Buarque e Cacá Diegues (veja manifesto online), ao mesmo tempo lhe rendeu críticas locais, nos campo das forças políticas e econômicas da Bahia.

O irmão mais novo, Manuel Ribeiro Filho, é diretor da construtora OAS e já tem estudos e projetos em desenvolvimento para a ponte. O governador Jacques Wagner lançou em janeiro um convite público para que pessoas físicas e jurídicas manifestem interesse em realizar a obra. A OAS já está no páreo. Para o irmão caçula do escritor, é natural que ambos pensem diferente, apesar de terem tido a mesma formação.

“Nós tivemos uma discussão bastante cordial via email”, conta Ribeiro Filho. “Minha relação com ele é bastante cordial. Cada qual no seu ponto de vista. Eu sou engenheiro, sou executivo, ele é intelectual. Ele é bem mais velho do que eu, então eu convivi pouco, na casa paterna, com ele. Então, cada qual tem sua vida. Claro, temos relação totalmente cordial, mas cada um pensa de uma forma. E eu acho que é muito natural que as pessoas pensem diferente”.

Na sede da OAS, na Graça, dois Mercedes-Benz de luxo repousam na garagem externa, aos cuidados de seguranças particulares, enquanto em uma sala de reuniões o diretor da construtora para a Bahia, Sergipe e Alagoas pega o celular pessoal e mostra para a reportagem de A TARDE que enviou um email ao irmão escritor, em cumprimento ao aniversário.

“Mandei no dia 23 de janeiro, em pleno quebra-pau: ‘Meu irmão, parabéns. Desejo-lhe muita saúde, sucesso, paz e alegria. Espero que tenha havido alvorada com foguetes de flecha. Boa festa. Abraço do irmão caçula e família.’ Toda a pessoa importante quando fazia aniversário, tinha alvorada, com foguetes de flecha”, contou.

A resposta de Ubaldo foi: “Muito obrigado, meu irmão. A festa foi boa. Muitos beijos do irmão mais velho JU”. Dez anos mais novo, Manuel guarda o telefone e conclui: “Isso não impede que ele fale cobras e lagartos, mas é do próprio jogo democrático”.

O vão central da ponte proposta pela OAS teria 500 metros de comprimento por 80 de altura. “Essa é nossa ideia. Fizemos nosso estudo sem autorização nenhuma do Estado”, diz o engenheiro. “Mas eu não iria oferecer o Estado para estudar sem ter certeza de que haveria possibilidade de viabilidade”.

No dia 26 de janeiro de 2009, ele entregou, assinando como diretor da OAS, uma petição à Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado, pedindo autorização para fazer os estudos. O pedido foi indeferido. Um ano depois, o Estado abriu o “convite de manifestação de interesse”.

O chamado “Sistema Viário Oeste” inclui a duplicação da ponte do Funil e outros trechos rodoviários do Recôncavo, além de obras federais de extensão do km 0 da BR 242 para o porto de Salvador. Depois de 14 de março, prazo final para empresas interessadas responderem ao convite de manifestação de interesse, o governador vai definir, por decreto, uma comissão que vai escolher a melhor proposta de estudos.

Mas o secretário de planejamento, Walter Pinheiro, adiantou para A TARDE, em janeiro, que não há meios da fase licitatória da obra iniciar em 2010, por ser este um ano eleitoral.
Bem no auge da discussão, trocamos umas palavrinhas com o filho mais famoso de Itaparica. A rápida conversa, transcrita abaixo, elucida um pouco da relação do escritor com a ilha. A entrevista foi concedida às 17h30 do dia 23 de janeiro, na sombra do quintal da casa que era do avô. Coisa de uns 45 minutos antes, 69 anos atrás, ele estaria nascendo, de parto difícil, naquela mesma casa.

Muito – Há personagens nas suas crônicas e romances que são pessoas de verdade, daqui de Itaparica, como Espanha, Grande, Osmar, Zecamunista e Jacob Branco… Como é que isso funciona?
João Ubaldo – Às vezes conto o que aconteceu, às vezes mudo. Mas só brinco porque são meus amigos. Com quem eu não gosto, não brinco – a não ser que seja para denunciar. No fundo, é a brincadeira de botar o nome deles no jornal.

Muito – Mas alguns deles não conhecem sua obra. Isso te preocupa?
João Ubaldo – Não. Eu sei que a maioria não lê… (pausa). Mas, Zeca (Zecamunista), não. Zeca é um homem de grande valor, não só profissionalmente, como um homem de cultura.

Muito – Quem é Gugu Galo Ruço e Beto Atlântico, citados em crônicas recentes para o jornal A TARDE?
João Ubaldo – Gugu Galo Ruço existe, estava aí… É um amigo meu, acho que eu trabalha com imóveis, mas não mora aqui. Vem muito aqui. Beto Atlântico é dono do Mercadinho Atlântico, aqui de Itaparica.

Muito – No ano passado, você disse que ia retomar uns personagens de Miséria e Grandeza do Amor de Benedita e de Já Podeis da Pátria Filhos para voltar a falar mais do universo humano da ilha. Como está esse projeto?
João Ubaldo – É, eu disse. Mas não sei se vou fazer, não. Às vezes, eu penso nisso, mas não tenho certeza. Às vezes eu falo que vou escrever, mas isso não acontece nunca. Quero escrever mais histórias com eles.

Muito – Algum personagem de O Albatroz Azul é inspirado em uma pessoa real aqui de Itaparica?
João Ubaldo – Não, não. Eu nem uso essa palavra, “inspirado”. Mas, com certeza, deve parecer com algumas pessoas aqui de Itaparica. Porque se o personagem é verossímil, ele parece com alguém. Se é pão-duro, vai parecer com algum pão-duro que você conhece…

Muito – Ouvi hoje de uma de uma senhora que já tinha tomado uma cachacinha: “Hoje é aniversario de Itaparica!”
João Ubaldo – Hehehehehe… (rindo…)

Muito – Aí, alguém corrigiu: “Não, é aniversário de João Ubaldo!” E ela: “Ah, é? Mas é a mesma coisa!”
João Ubaldo – É uma maravilha isso! Eu fico contente de saber disso!

Muito – E é verdade. Mas, e as orelhas do prefeito de Itaparica? Andam meio queimadas, por aqui?
João Ubaldo – O que aconteceu com o Vicente foi que quando eu morava aqui e votava aqui, votei contra Vicente, isso é verdade. Mas já me oferecei para ajudar, não sei se ele se lembra; ajudar, fazer alguma coisa para movimentar a vida aqui. A única coisa que foi aproveitada, e mesmo assim por um amigo meu, foi o concurso de pesca de carapicun; mas eu não bolei para dar prêmio João Ubaldo! Bolei um calendário turístico, me ofereci para ajudar, fazer um festival aqui, quando tinha o Grande Hotel. Mas ninguém queria. Vicente acha que eu não gosto dele. Vicente é afilhado de meu avô, conheço ele desde pequeno.

Muito – Ontem (22/01) saiu seu artigo no jornal A TARDE, um manifesto contra a ponte para Itaparica. Que repercussões têm tido sua opinião?
João Ubaldo – Contra o interesse econômico, um artigo resolve muito pouco… (olha para a repórter em silêncio, fumando um cigarro).

Muito – No caso do Forte São Lourenço, quando fizeram e a zona de desmagnetização de navios, você também se manifestou contra. Adiantou alguma coisa?
João Ubaldo – Não adiantou nada. Quem veio aqui foi o almirante Blower, o então comandante do 2o. Distrito Naval. Ele veio em pessoa, com o oficialato dele. Me convidaram para almoçar. Foi uma grande deferência.

E um telefonema interrompeu a entrevista. “Vou precisar me ausentar um bocadinho”, pediu licença Ubaldo, e partiu para o interior da edificação. Logo depois, colocou uma camisa, aberta até o terceiro botão; sob os protestos da mulher, Berenice, voltou para dentro e colocou outra. Esperou Berenice fechar a casa. Então, foi com ela, a filha Emília e um casal de amigos para a Biblioteca Juracy Magalhães Jr., onde aconteceu a já tradicional homenagem pelo seu aniversário.

“Suponho que não tenho nenhuma razão em querer que Aracaju e Salvador ficassem como eram, mas comigo é assim, para mim nem uma, nem outra, são mais as minhas cidades. Só me sinto à vontade mesmo em Itaparica. Se fizerem uma ponte para Salvador, organizo uma brigada dinamitadora e vou à luta” (João Ubaldo para o Jornal da Bahia, em 1985)

Deixem Ubaldo em paz

Janio Ferreira Soares

(Bahia em Pauta, 27/02/2010)

Apesar de continuar achando que tudo não passa de mais um belo lance eleitoral criado pelos marqueteiros do governo Wagner – certamente apoiado por algum desafeto de João Ubaldo, talvez com raiva por ter levado ao pé da letra o seu romance O Sorriso do Lagarto, e após meses em busca de uma lagartixa feliz só ter encontrado calangos balançando cabeças como se afirmando sua tendência à estupidez -, peço licença (com ar de vênia, em homenagem ao professor Manoel Ribeiro), para meter o bedelho nesse furdunço político-sentimental-arquitetônico que começou depois do anúncio da construção da ponte Salvador-Itaparica, embora eu ache que ela continuará hibernando na prancheta dos sonhos.

Não estou aqui defendendo ou condenando nada, até porque a única ponte que interessa por essas bandas (alô, Aninha Franco!) é alguma que leve a miséria e o analfabetismo para bem longe do sertão e na volta desemboque num desses lugares de sonho que aparecem na propaganda do governo da Bahia – tipo Itacaré. Só acho que velhos baianos como João Ubaldo, Cid Teixeira, Waldir Pires, J. C. Teixeira Gomes, Caetano, Gil e tantos outros, merecem, independentemente de ideologias, um mínimo de consideração. Quando não pelas opiniões, pelo menos pelo jeito bacana de levar a Bahia por aí.

Não conheço João Ubaldo pessoalmente apesar de ter tido um belo álibi para fazê-lo quando, meses atrás, eu estava no Rio e ao sair da livraria Argumento com seu último livro, O Albatroz Azul, o avistei com amigos no boteco Tio Sam. Confesso que se não fosse minha timidez, teria puxado um papo de autógrafo e me apresentado como o cara que, tempos atrás, trocou alguns e-mails com ele a respeito de um artigo publicado no jornal A Tarde, onde eu brincava sobre o que teria acontecido se, em vez de ter ido para Salvador e conhecido Glauber, ele continuasse estudando em Aracaju. Nesse caso, essa ponte seria unanimidade, este artigo não existiria e os lagartos continuariam tristinhos, coitados, apenas balançando suas cabeças e rabos para os imbecis de plantão.

Janio Ferreira Soares, cronista, é secretário de Cultura e Turismo de Paulo Afonso (BA), na região do Vale do São Francisco

O passado não acabou

Helington Rangel

(A Tarde, 24/02/2010)

De forma dissimulada, mas insultuosa, o deputado Walter Pinheiro, atual secretário do Planejamento do Estado, tentou desclassificar o cidadão e consagrado escritor João Ubaldo Ribeiro por manifestar-se contra o projeto megalômano da ponte entre Salvador e Itaparica, torrão natal do autor da imortal obra literária Viva o Povo Brasileiro.

A cidadania implantou-se a partir da Guerra de Secessão nos Estados Unidos e Revolução Francesa, dois eventos que marcaram o princípio de legitimidade da sociedade civil, convertendo-se em conceito histórico e não em definição vulgar ou carente de imaginação. Os avanços da cidadania dependem das reivindicações e ação dos indivíduos, como expressão do exercício democrático.

Após mais de meio século de industrialização na Bahia, a omissão do poder público expõe a dimensão da pobreza aqui, com renda per capita abaixo de Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte, inclusive menor esperança de vida. Multidões ainda vivem em favelas, sem água potável nas residências, nem beneficiadas com a coleta de lixo.

Em nome da religião do progresso, a desenfreada expansão vertical de Salvador produziu diminuição drástica no estoque de terras e a última fronteira se delimita com áreas de proteção ambiental – daí a afobação na construção da ponte para os sacerdotes do capital imobiliário difundirem seus templos.

A ironia paroquial do Secretário de Planejamento não foi suficientemente hábil para encobrir a decadência na educação e saúde pública do Estado, porém eficiente para ocultar interesses de grupos empresariais na transformação de terrenos especulativos em lotes, na criação de intransponíveis bairros luxuosos na ilha, apesar dos custos humanos.

É utópico sonhar com cidadania plena em uma comunidade injusta – e com a ponte dos bilhões, adaptada à ideologia do desenvolvimento do governo, a Bahia nada terá a comemorar, pois o presente ainda é o passado em todos seus contornos e atitudes. Talvez, no futuro, os cidadãos possam construir um Estado, onde as necessidades da sociedade tenham prioridade e as divergências de opiniões não sejam alvo do deboche de governantes.

Helington Rangel é professor universitário, economista e jornalista. E-mail: helingtonr@msn.com

Uma ponte sobre o Recôncavo

Paulo Ormindo de Azevedo

(A Tarde, 23/02/2010)

Um réquiem de João Ubaldo para Itaparica, ameaçada de ser atropelada pela BR-242, provocou uma resposta grotesca e vazia do governo, que macula sua imagem. A reação foi xenofóbica e preconceituosa por ele residir no Rio, e não ser um técnico, senão um intelectual, supostamente amante do atraso. Assinei o manifesto em solidariedade ao escritor pela tentativa de desqualificá-lo, em defesa da liberdade de opinião e por outras razões que vão mais além dos seus temores.

A ponte, a meu ver, não fará de Itaparica uma extensão de Salvador, tanto quanto a Rio-Niterói não expandiu Niterói, nem desafogou o Rio, que cresce na direção oposta.

Itaparica, como Niterói, será apenas um atalho para a BR-101 e BR-242. Continuará como um conjunto de condomínios fechados usados um mês por ano, como o litoral de Lauro de Freitas e Camaçari. Mesmo porque a ponte será uma nova Paralela, engarrafada 24 horas por dia, apesar de suas oito pistas, pois o gargalo está na entrada de Salvador. Não será também uma saída para a soja do oeste, pois o nosso porto, mesmo ampliado, não tem condição de operar granéis e tem uma sobrevida de 25 anos. Ela será, sim, uma ponte sobre o Recôncavo e ilhas, cujas estradas serão marginalizadas, o sistema hidroviário e patrimônio abandonados.

Não digo adeus à ilha, que continuará sendo apenas uma passagem, lamento por Salvador, que poderá receber cerca de 60 mil carros e caminhões diários entrando por São Joaquim e cruzando seu centro antigo em direção ao litoral norte, onde estão as praias mais badaladas e os principais centros de produção da região metropolitana de Salvador (RMS), o Copec e a Ford. Imaginem o engarrafamento do Américo Simas, da San Martin, da Contorno e do Iguatemi nos dois sentidos. Pela conformação do cabo de S. Antônio, não podemos ter um anel rodoviário, senão um fundo de saco (cul de sac). Para ele, o já congestionado Iguatemi, convergem duas estradas, a BR-324 e a Estrada do Coco/ Linha Verde. Agora teremos uma terceira, a BR-242. Enquanto em todo o mundo se evita a entrada de carros no centro, nós vamos despejar ali uma estrada de oito pistas.
A ponte terá também um impacto enorme sobre a segunda maior baía do mundo. A construção de uma ponte como essa demanda a construção de modelos reduzidos para simulações de marés, ventos e descargas de rios e assim evitar assoriamentos e correntezas indesejáveis. Pequenas obras nos portos de Fortaleza e Recife acabaram com as praias de Iracema e de Olinda. O Porto de Suape atraiu tubarões para a Praia de Boa Viagem.

Quanto perdeu Recife e perderá Salvador com um monstrengo que já arranca a 35 m de altura, prejudicando a paisagem, a navegação, os esportes náuticos e o turismo? É inconcebível que se licite um projeto dessa complexidade sem estudos de viabilidade e impactos. Nem eles podem ser feitos em 120 dias. Ao que tudo indica, o Convite à Manifestação de Interesse é apenas a legitimação do projeto do “Consórcio” já apresentado pelo secretário de Infraestrutura, cujo orçamento inicial é de R$ 2,5 bilhões, mas que poderá ser triplicado com os custos financeiros e operacionais. É um engano imaginar que o setor privado irá investir na ponte e que ela será paga com o pedágio. Com este projeto e o remake de R$ 1,61 bilhão da Fonte Nova (A TARDE, 30/01) a capacidade de endividamento do Estado fica comprometida por algumas décadas e nós contribuintes pagando o pato.

Caro colega Bira Gordo, li com a atenção seu artigo “Radicalismo e desenvolvimento” do último dia 11/02, por ser V. o mais ilustrado porta-voz da atual administração. Esta falsa oposição entre desenvolvimento e preservação ambiental, assim como a pecha de radicalismo atribuída ao contraditório são coisas dos anos 70. Confesso que não consegui enquadrar Ubaldo nem eu mesmo em nenhuma de suas categorias – vermelho/comuna, verde de raiva, infantil e senil/saudosista – nem numa fantasmagórica oposição.

Queremos apenas um desenvolvimento sustentável, que não seja só pontes, viadutos, asfalto, mais carros e fumaça. Há alternativas melhores e mais baratas.

Paulo Ormindo de Azevedo é arquiteto, professor titular da Ufba. E-mail: ormindo1@terra.com.br

Deus e o dinheiro na terra de Mamon

Vitor Hugo Soares, no Blog do Noblat (20/02/2010)


À medida que se distancia o barulho dos tambores e das guitarras elétricas nas ruas e avenidas dos muitos circuitos do carnaval baiano, fica mais fácil observar e escutar o que se passa em volta nestes dias de retirada da fantasia e dos santos cobertos de pano roxo, na Bahia e no País.
Desde já, é possível dizer: muitos fatos e ruídos merecem atenção e reflexão, além do drama político que abala o Distrito Federal de Arruda, Paulo Octávio e a turma do chamado "Mensalão do DEM".

A mudez dos sinos nos campanários da mística Salvador, imposto pelos ritos da Quaresma, facilitam também verificar: partem dos templos religiosos (católicos ou não) os sinais mais contundentes.

O principal deles é bem nítido já nos preparativos do lançamento neste domingo, 21, da Campanha da Fraternidade, cujo tema este ano é "Dinheiro e Vida".
Isso ficou visível nos cuidados e nas oscilações na entrevista coletiva do mineiro arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil, Dom Geraldo Magela, para falar da parte prática da CF, de caráter ecumênico.

O simples comunicado foi suficiente para levantar sinais de fumaça e de polêmica em muitos setores. Na política, nos governos, nas empresas.
Dúvidas e suspeitas se levantam, aqui e ali, a começar pelo real significado de algumas palavras e indicações do Primaz do Brasil, ex-presidente da CNBB, em sua conversa com a imprensa na Quarta-feira de Cinzas.
Até a construção da controvertida ponte Salvador-Itaparica, empreendimento bilionário de projeto incerto e não debatido, veio à baila, e mereceu o apoio explícito do cardeal.
Pelo tema em si, não é difícil prever o fuá que está a caminho, a partir deste domingo. No material da campanha, que será distribuído e debatido pelos fiéis nas paróquias de todas as dioceses do País, há motivos de sobra tanto para concordâncias, quanto para desavenças.
Mais, provavelmente, para desavenças.
"Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro". Eis um desses motivos, escrito como lema em destaque no cartaz de promoção da CF-2010. O próprio cartaz não poderia ser mais emblemático e provocativo, em se tratando de campanha de cunho religioso e social.
Nele, velas acesas sobre uma mesa aparecem cercadas de moedas.
Mais direto, impossível, principalmente porque a CF-2010 passou pelo crivo da Santa Sé desde setembro do ano passado.
É sabido que o Vaticano não costuma ser tão direto em suas mensagens e palavras de ordem na maioria das vezes. A não ser em questões como o aborto ou a obrigatoriedade do celibato.
Neste último caso, como se sabe, com inegáveis motivações do dinheiro desde as origens do impedimento do casamento dos padres católicos.
No lançamento da CF deste ano, na Bahia, quem lucrou de saída foi Wagner e seu governo. Como assinalou o jornal A Tarde, o governo baiano ganhou um aliado de peso na sua empreitada pela construção da ponte entre Salvador e Itaparica.
"Eu acho que vai ser bom. Temos muitas pessoas que usam a passagem pela ilha para ir mais para o sul do nosso Estado. Se tivermos uma ponte, o tempo e os custos da viagem vão ser abreviados", argumentou o arcebispo primaz do Brasil em favor da ponte.
A obra, como destaca o jornal baiano, tem gerado um debate acirrado entre políticos, empresários e sociedade civil.
A polêmica se aprofundou após o escritor João Ubaldo Ribeiro, natural de Itaparica, produzir um manifesto desferindo críticas ao projeto. O protesto ganhou projeção nacional e recebeu o apoio de artistas e intelectuais que também se posicionaram contra a ponte.
No mesmo dia da entrevista de Dom Geraldo, a discussão chegou (à noite), ao plenário da Assembleia Legislativa da Bahia, a bordo da mensagem do governo, levada pessoalmente por Jaques Wagner, que abriu generoso espaço em seu discurso na abertura do ano legislativo no Estado, para fazer veemente defesa da ponte de 13 km sobre a Baía de Todos os Santos.
Ah, é preciso ressaltar, a bem da verdade, que o Primaz do Brasil colocou o tema do dinheiro e da corrupção no País, no centro da sua entrevista de lançamento da CF.
Deu destaque especial ao escândalo mais recente e ainda em andamento, que culminou na prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e no processo para o afastamento do vice, Paulo Octávio.
"É o bendito dinheiro de quem o põe no bolso, põe na barriga, em não sei mais onde. São interesses partidários e de grupos que estão em jogo", disse o arcebispo.
Dom Geraldo destacou a prisão do governador, mas ainda assim o o arcebispo mostrou-se descrente frente à impunidade em crimes de corrupção:
"Vemos este mensalão e nos parece que não aconteceu nada. Eles sempre têm dinheiro para ter um habeas corpus, para sair da cadeia".
Mesmo em relação à construção da ponte multibilionária, que ele abençoa, o cardeal pede vigilância. Admitiu que o empreendimento pode ser alvo de desvios e superfaturamento.
"Essa obra vai ser muito valorizada, até acima mesmo do seu valor objetivo. Há o perigo de que certas empresas possam ser beneficiadas. Um benefício que vem em troca de corrupção", alertou.
A Campanha da Fraternidade deste ano promete muito mais, no Brasil das metrópoles, mas sem tirar as vistas também da dinheirama que corre no País dos grotões.
A conferir.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Antonio Risério: Entrando no assunto

Antonio Risério

A Tarde, 20/02/2010, Opinião

Este é o primeiro de uma série de artigos que pretendo publicar, em torno de um mesmo assunto, tendo em vista o projeto de construção da ponte Salvador-Itaparica.
Sei que vou frustrar ou decepcionar alguns amigos (meu querido e admirado João Ubaldo, em primeiro lugar) e agradar outros.

Mas é que, apesar de ter tentado me persuadir do contrário, não consegui me convencer de que a ponte é condenável. E não consigo não dizer o que penso. De qualquer sorte, esperei a poeira baixar, a folia carnavalesca chegar ao fim, para, como se dizia antigamente, tecer considerações em torno do tema.

Antes de entrar na matéria, porém, quero logo dizer o seguinte. Acho maravilhoso que Ubaldo tenha aberto o debate. E concordo com algumas coisas que ele diz. Assim como considero fundamentais pontos do manifesto “Itaparica: ainda não é adeus”. Deixarei isso claro no momento em que chegar lá. Já as reações de secretários de Jaques Wagner, à postura de Ubaldo, me pareceram oscilar entre a tolice, a ignorância e a farsa (o governador, salvo raríssimas exceções, como a de um Fernando Schmidt, anda muito mal acompanhado). E dizer que Ubaldo não mora na Bahia não é coisa que se leve a sério. Passei boa parte de minha vida, até aqui, fora da Bahia. Estou, atualmente, em Brasília. E não sou – em princípio – contra a ponte.

A maior bobagem partiu de um secretário de Estado que, ao tentar sugerir que a ponte vai ser boa para Itaparica, deu o exemplo de Lauro de Freitas, que classificou como “cidade planejada”. Lauro de Freitas, a antiga Santo Amaro do Ipitanga, é um horror. E justamente por absoluta falta de planejamento. Pela ignorância dos mais elementares princípios do urbanismo. Bem, se for para Itaparica virar uma Lauro de Freitas (como já está acontecendo – e também por falta de planejamento) – aí, sim – fico definitivamente contra o projeto da ponte. Mas, como não acredito que o secretário expresse o ponto de vista do governador (toda administração estadual, hoje, no Brasil, é um saco de gatos), vamos adiante – e devagar – com o andor.

A conversa sobre a ponte Salvador-Itaparica me leva de volta a outro assunto que provocou polêmicas e paixões. A transposição do Rio de São Francisco. Por que uma coisa puxou a outra? Porque, no aceso daquelas discussões, em meio ao fogo cruzado de conceitos e números, costumava dizer a meus interlocutores mais próximos: acho que é preciso discutir com cuidado. A transposição, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer.Então, em vez de espernear contra, vamos dizer que espécie de obra nós precisamos e queremos ter.

Minha sensação, diante do projeto da ponte, é a mesma. Mais cedo ou mais tarde, ela virá. Basta tentar imaginar o que será Salvador no ano 2050. Alguém acredita que a ilha se manterá distante dela? Que Itaparica não será incorporada à futura e imensa cidade? Enfim, penso que a ponte é inevitável. Que ela virá. E então acho que é melhor que a gente diga que ponte nós queremos. Que ilha queremos.

Lembre-se o caso do São Francisco. Num extremo, plantaram-se técnicos e cientistas, esgrimindo números. Em outro, ficaram os ambientalistas mais românticos – que, de certa forma, parecem querer atravancar o caminho da história, ou voltar a viver num mundo que há muito não existe – e o bispo da greve de fome. Bispo que agora aparece como que replicado no bispo que ataca o projeto da hidrelétrica de Belo Monte. Não posso concordar com essa turma. Eles querem que, enquanto a China e a Índia decolam, o Brasil estacione. Desça do bonde dos emergentes. E permaneça, biblicamente, olhando os lírios do campo.

Naquele caso, não dava para ficar de um lado, nem de outro. Entre dados estatísticos, informações técnicas, pregações catastróficas, indignações fáceis e humanitarismos paroquiais, era preciso andar com cuidado. Não quero dizer com isso que o texto de Ubaldo e o manifesto que o apoiou sejam devaneios românticos. Não. São consistentes. Mas não fecho totalmente com eles e vou trazer à luz o que penso. Como disse, acho que a ponte é inevitável. Mas acho, também, que não devemos aceitar uma ponte medíocre, quando, no mundo inteiro, elas recuperaram sua condição de objeto estético. E devemos pensar na dimensão ambiental. Com seriedade.

Jaques Wagner defende megaponte Salvador-Itaparica

Claudio Leal

Terra Magazine, 19/02/2010

Na abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), defendeu o projeto da megaponte Salvador-Itaparica, que motivou críticas do romancista João Ubaldo Ribeiro e um manifesto em defesa da Ilha de Itaparica e da Baía de Todos-os-Santos, assinado por alguns dos principais escritores brasileiros.


Durante o discurso anual, Wagner elencou mais uma justificativa para a construção da obra bilionária: reduzir a densidade demográfica de Salvador, com a ocupação dos espaços da maior ilha marítima brasileira e do Baixo Sul baiano.

João Ubaldo denunciou o risco de favelização do paraíso ecológico, com a urbanização predatória e o privilégio de condomínios fechados. Wagner se referiu à polêmica, mas evitou citar os opositores da ponte de 13 km, que motiva estudos das construtoras OAS e Odebrecht.

O petista afirma que o sistema marítimo do ferryboat será insuficiente para a expansão do fluxo de veículos. E não cogita desistir da ideia. Trechos do discurso do governador sobre o projeto:

"Debate anima"
"Um novo vetor de crescimento surgirá da interligação da Via Expressa com a futura ponte Salvador-Itaparica, que expandirá para o vetor Oeste, ligando Salvador à 242, à 001 e ao Baixo Sul. E aqui me permitam um comentário. Creio que qualquer obra da magnitude de uma ferrovia, da ponte Salvador-Itaparica, ela sempre aquecerá o debate. Eu creio que não há melhor forma de aprimorar os projetos do que num debate. Nessa Casa, fora dessa Casa, em todos os ambientes daqueles que pensam a nossa terra, de urbanistas, de engenheiros, de projetistas, de ambientalistas, e portanto creio que o debate que está em curso sobre a questão da ponte a mim pessoalmente me anima."

"Densidade demográfica"
"Creio que o prefeito da capital sabe disso, que nós temos a maior densidade demográfica entre todas as capitais do País. Entamos pertos de 9.000, 9.500 habitantes por km quadrado. Todos reconhecemos que Salvador não tem mais território pro seu crescimento. Todos queremos a integração da nossa capital com a beleza que é a baía de Camamu e o Baixo Sul. O ferryboat já experimentou 30% de incremento só com a inauguração da BA-001. Quando agora fizermos a interligação de Canavieiras a Belmonte, seguramente esse meio de transporte ficará cada vez insuficiente para o fluxo que nós teremos descendo seja para negócio, seja para o turismo, descendo pelo Baixo Sul da nossa terra. São muitos os empreendimentos de hotelaria que se preparam naquela região."

"Ferry não é transporte do futuro"
"Portanto, eu creio que o pensar a ponte não é um pensar de alguém que quer uma obra que leve seu nome. Até porque uma obra como essa demandará quatro, cinco anos, entre projeto e construção. Mas eu não tenho dúvida nenhuma que da forma como está sendo preparado, com o debate que será feito com as populações de Vera Cruz, de Itaparica, de Salvador, no Baixo Sul, com essa Casa seguramente, com as Câmaras de Vereadores, com os debates nas audiências públicas, nós poderemos aprimorar e garantir que esse projeto venha ao encontro do sonho de nossa gente, que quer desfrutar uma ilha preservada, mas quer ter um acesso mais fácil para essa ilha, para esse presente que Deus nos deu. Que nós queremos interligar Salvador com o Sul e com o Baixo Sul. Portanto, isso só pode ser feito não através do sistema de ferryboat, que por mais que nós consigamos melhorá-lo, seguramente ele não é um transporte do futuro, ele não é uma garantia.""Ainda mais, pensando como nós pensamos essa ponte, interligando ela, que passará a ser o quilômetro zero da BR-242, ou seja, trazendo todo o fluxo de Brasília e do Oeste baiano para chegar diretamente ao Porto de Salvador, numa via segregada, eu não tenho dúvida que através de um processo de concessão, com a participação do Estado, nós viabilizaremos essa ponte para a tranquilidade da gestão municipal de Salvador e para a garantia de um desenvolvimento sustentável da Ilha, do Baixo Sul e do Sul do Estado."

ADEUS, ITAPARICA
Em 22 de janeiro, João Ubaldo Ribeiro denunciou, no artigo "Adeus, Itaparica", o objetivo de grupos empresarias de transformar Itaparica em uma "patética Miami de pobre". A construtora OAS admitiu que pretende construir "condomínios fechados na parte central da ilha".

- As estatísticas são outro instrumento desses filibusteiros do progresso que em nosso meio abundam, entre concorrências públicas fajutas, superfaturamentos, jogadas imobiliárias e desvios de verbas. Mas essas estatísticas, mesmo quando fiéis aos dados coligidos, também padecem de pressupostos questionáveis. Trazem à mente o que alguém já disse sobre a estatística, definindo-a como a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa - atacou Ubaldo.


O artigo motivou um movimento nacional em apoio ao romancista itaparicano e em defesa da Ilha de Itaparica e da Baía de Todos-os-Santos. Já assinaram o manifesto "Itaparica: ainda não é adeus": Luis Fernando Verissimo, Chico Buarque, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Ricardo Cravo Albin, Emanoel Araújo, Monique Gardenberg, Sonia Coutinho, Jomard Muniz de Britto, Hélio Pólvora, Edson Nery da Fonseca, Sebastião Nery, Walter Queiroz Júnior, Jerusa Pires Ferreira, Hélio Contreiras, Aninha Franco, Fernando da Rocha Peres, Ruy Espinheira Filho, entre outros. O texto defende um debate amplo sobre o projeto, questiona a prioridade da obra e afirma que João Ubaldo não é uma voz isolada.

Em entrevista a Terra Magazine, o secretário de Infraestrutura da Bahia, João Leão (PP), definiu a divisão da arena:

- Maravilha! Só que os escritores estão de um lado e o povo está de outro... Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores? ( leia aqui).

A dramaturga Aninha Franco rebateu, em artigo na revista Muito (jornal A Tarde), a postura do governo diante dos protestos de artistas e intelectuais:

- Conselho não se dá nem a quem pede, governador, mas no futuro, dentro da história que o senhor está tecendo, essa que vem sendo fotografada, filmada, escrita, a ponte que falta é a que liga o povo à educação, para que ele nunca mais precise de intermediários do seu querer. E pra fazer essa ponte, governador, é mais seguro ser parceiro de artistas - escreveu Aninha.

Alvo de especulação imobiliária, Itaparica sofre com o crescimento da violência e problemas de infraestrutura e transporte. Uma tragédia a mais promete agravar a degradação do paraíso que atrai empreiteiras. Desde a quarta-feira, 17, mais de 600 hectares de Mata Atlântica foram consumidos por um incêndio. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros suspeitam de ação criminosa.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

"Ponte"

Charge de Cau Gomez, publicada no jornal A Tarde e no blog Ferrão do Humor

Aninha Franco: A Ponte, os artistas e os políticos

Aninha Franco

O governador Jaques Wagner se indispõe com artistas desde o início de seu governo, ou pessoalmente ou através do secretário de Cultura que promoveu tremor haitiano na produção artística local sob seu silêncio. Calado. Consentido. Agora é a vez da ponte Salvador-Itaparica. Meu irmão, que eu amo, proprietário na ilha, que sofre horrores para chegar e sair de lá, acha que a ponte resolverá o funcionamento caótico do ferryboat. João Ubaldo nasceu na Ilha e criou Viva o povo brasileiro, livro-ponte da obra de Jorge Amado para a Bahia atual, e por suas razões, contrárias à ponte, terá, sempre, o meu apoio independente do meu amor. A contrapartida do governador é João Leão, secretário pós-Geddel, que como argumento master diz que os intelectuais estão contra a ponte mas o povo está a favor. E pode falar em nome do povo quem perdeu as eleições? Tem credibilidade para falar pelo povo quem ofendeu políticos íntegros como Moema Gramacho na disputa pelo poder em Lauro de Freitas?

A diferença entre políticos e artistas, governador, é que nós nos admiramos e respeitamos como pares, sem partidos, sempre por um mundo mais belo e honesto. Um mundo melhor. E é por isso que Chico Buarque é contrário à ponte, e sendo artista pode falar pelo povo porque tem o seu respeito e amor. Estar do outro lado de Chico, até em disputa de cuspe a distância, não é bom sinal, governador.

Tem gente que garante que a ponte só vai unir a violência de Salvador à violência de Itaparica, e por isso prefere a Ilha sem ponte, com o sistema ferryboat funcionando, honesto, eficiente, coisas que ele não faz há décadas, minado pela corrupção, providência infinitamente menos onerosa para nós, financiadores da ponte. Conselho não se dá nem a quem pede, governador, mas no futuro, dentro da história que o senhor está tecendo, essa que vem sendo fotografada, filmada, escrita, a ponte que falta é a que liga o povo à educação, para que ele nunca mais precise de intermediários do seu querer. E pra fazer essa ponte, governador, é mais seguro ser parceiro de artistas.

(Revista Muito, jornal A Tarde, 14/02/2010, p. 41)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Ancelmo Gois: Ponte dos suspiros

O Globo, 08/02/2010

Uma polêmica sacode a Bahia às vésperas do carnaval. Em artigo no jornal "A Tarde", de Salvador, nosso João Ubaldo Ribeiro meteu o malho na construção de uma ponte pelo governador Jaques Wagner para ligar Salvador à Ilha de Itaparica.

Ontem, Jaques definiu a opinião de Ubaldo como "besteirol" e "clichê": "Ele é um grande escritor, mas não sei se é um grande urbanista", ironizou.

No artigo, Ubaldo, que viveu na ilha e hoje é morador do Leblon, no Rio, disse que a ponte vai fazer de Itaparica "uma patética Miami de pobre":

- Em lugar de valorizar nosso turismo, padroniza-o e esteriliza-o, matando ao mesmo tempo, por economicamente inviável, toda a riqueza de nossa cultura e nossa história. Quem não é atrasado sabe disso.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Dias de fúria e folia

Vitor Hugo Soares, Blog do Noblat

Vivemos dias de fanfarronadas travestidas de fúria, desavenças e desacatos: na política em ano eleitoral; no centro do poder de sonhos absolutistas em Brasília; nos governos estaduais em desalinho.

Observo da Bahia quase tudo, sem entender quase nada do que dizem e do que pretendem , além dos efeitos retóricos, personagens como Ciro, Serra, Dilma, Lula, Aécio e até mesmo o governador Jaques Wagner e auxiliares, neste período em que Momo começa a imperar.

Dirão alguns que quase sempre foi assim, e o espanto é por deficiência de memória. Momo é tempo de bazófia, de brincadeira, gandaia, confusão. Em alguns lugares bem mais que em outros.
No Brasil - e na Cidade da Bahia em especial -, é um tempo desconcertante, bem próximo das palavras usadas pela Enciclopédia Universalis (Paris, 1970) para definir lugares e personagens de "Histórias de Cronópios e Famas", o livro notável de Julio Cortázar.

"Sobre um fundo de caricaturas da vida de Buenos Aires, é uma seleção variada, insólita, de notas, de fantasias e de improvisações. Um humor melancólico, irônico ou violento"...

Eis a mais perfeita definição destes dias da política e da vida brasileira. No Distrito Federal, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas , na Bahia, em Pernambuco.

Tanto que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), e a ministra Dilma Rousseff (PT), já anunciam que estarão em Salvador em pelo menos um dia para ver de perto essa folia. Faltam Ciro (PSB) e a verde Marina (PV) para a festa ficar completa e mais animada.

Por falar em Bahia, o secretário de Planejamento estadual, o evangélico deputado petista Walter Pinheiro, ataca com ferocidade inusitada ao escritor João Ubaldo Ribeiro.

Entrevistado pelo "Jornal do Brasil", Pinheiro surpreendeu esta semana pelas imagens e palavras agressivas ao partir para cima do autor de "Viva o Povo Brasileiro", em defesa do governo na polêmica em torno da ideia do governador Jaques Wagner de construir uma ponte com 13km de extensão, ligando Salvador à Ilha de Itaparica. A obra bilionária ( R$1,5 a 2 bi) já desperta cobiça de quatro grandes empreiteiras - OAS e Odebrecht à frente.

Nascido em Itaparica e dono da obra fabulosa que projetou a ilha baiana no mundo inteiro, Ubaldo se opõe frontalmente à obra. A considera faraônica e distante das prioridades locais. Expôs isso com argumentos devastadores em defesa de sua opinião em artigo publicado no jornal A Tarde, que ganhou apoio nacional.

Depois de largo silêncio e ao ver o incêndio se espalhar pelo país, o governo Wagner saiu em defesa do projeto.

Mas já corria na frente o manifesto intitulado "Itaparica: ainda não é adeus", de apoio a Ubaldo, que recebeu assinaturas de figuras do porte de Chico Buarque de Holanda, Verissimo, Emanoel Araujo, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Ricardo Cravo Albin, Sonia Coutinho, Jomard Muniz de Britto, Hélio Pólvora, Edson Nery da Fonseca, Sebastião Nery, Hélio Contreiras, entre muitos outros, baianos ou não.

Mas a fúria do secretário Pinheiro na defesa da ponte surpreendeu até alguns petistas, lembrados da docilidade do parlamentar nos debates com João Henrique Carneiro (PMDB), na última eleição para a prefeitura de Salvador, na qual Pinheiro foi fragorosamente derrotado: nos debates e nos votos.

Vejamos dois trechos do que disse sobre João Ubaldo, o secretário encarregado de tocar o projeto (segundo assinala o JB):

- O João Ubaldo tem todo o direito de destilar o veneno dele. Deve estar olhando para governos anteriores.

- O velho João Ubaldo saiu da rede. Se não fosse o PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), ele receberia a ponte pelo peito.

Ontem, no jornal A Tarde, o próprio governador Wagner se encarregou de renovar o combustível da polêmica, ao chamar de "besteirol" e "clichês" os argumentos do escritor João Ubaldo. É mais que provável que tudo terá resposta. A questão é saber se antes ou depois do carnaval.

Enquanto isso vale verificar o que andou rolando esta semana fora da Bahia.

Ao retornar de férias na Europa, o deputado do PSB, Ciro Gomes, candidato do partido à sucessão de Lula, jogou água gelada na cabeça dos que já consideravam favas contadas sua desistência da postulação, em favor do nome da ministra Dilma Rousseff.

"O PSDB e o PT querem que eu retire a minha candidatura. Algum dos dois está errado. A única pessoa que está certa de querer tirar a minha candidatura é o Serra. Significa que o santo Lula nesse assunto está errado", rebate Ciro.

Se o tiroteio é mesmo pra valer, ou apenas bala de festim de carnaval, só se saberá depois de Momo passar.

O senhor de Brasília parece apostar no tempo, senhor da razão. Depois do susto da crise de hipertensão em Recife, Lula dá sinais de ter colocado a cabeça no congelador - velha e sábia receita do gaúcho Leonel Brizola - mas sem deixar de falar grosso.

"Eu meço minha pressão todos os dias: é 11 por 7 (em Pernambuco bateu nos 18 x 12). Foi um problema (a crise de hipertensão) que aconteceu. Mas, se eles pensam que vou ficar sentadinho em Brasília, podem tirar o cavalinho da chuva. Vamos inaugurar tantas obras que eles vão ficar doidos.". Ontem já estava em Florianópolis.

"Eles", provavelmente, são os tucanos e a turma do DEM, assim como os petistas baianos chamam de "essa gente" o ex-governador Paulo Souto (DEM), os ex-carlistas no Estado e, ultimamente, o cantor Caetano Veloso e o escritor João Ubaldo.

A conferir, depois que o carnaval passar.

Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br

Governo e empreiteiras não vão a debate no jornal A Tarde

"45 perguntas sem respostas sobre a ponte Salvador-ilha"

Maiza de Andrade, A Tarde, 06/02/2010

"Quarenta e cinco perguntas sobre a ponte Salvador-Itaparica, enviadas por leitores de A TARDE, via internet, ficaram sem respostas diante da ausência de representantes do governo estadual no debate promovido para esclarecer dúvidas e detalhes sobre o projeto. A assessoria de imprensa do governador Jaques Wagner alegou que os secretários Walter Pinheiro (Planejamento) e João Leão (Infraestrutura) não encontraram espaço nas agendas, sugerindo que eles dessem entrevistas sobre o tema após o Carnaval. Representantes das construtoras OAS e Odebrecht, interessados na execução da obra, também faltaram. Em respeito à população, à platéia e aos convidados que compareceram - Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), e o arquiteto e urbanista Luiz Antônio de Souza, professor da Uneb - A TARDE manteve o debate. Cunha e Souza levantaram questões importantes (...) como a falta de políticas públicas para a ilha."

Ubaldo diz que tem reputação e não teme xingamentos

Patrícia França, jornal A Tarde, 06/02/2010

“Tenho reputação que vai ser difícil eles macularem”. Foi desta forma que o escritor João Ubaldo Ribeiro, que se opõe à construção da ponte Salvador-Itaparica, reagiu, ontem, às declarações do governador Jaques Wagner (PT), que definiu como “besteirol” a discussão de que projetos que envolvem dinheiro são sempre obra cara e a serviço de empreiteira.

Ubaldo, que não participou do debate promovido por A TARDE, no qual estaria seu irmão Manoel Ribeiro, diretor da Construtora OAS e favorável à obra – para evitar, segundo explicou, situação semelhante à vivida pelos irmãos bíblicos Caim e Abel e Isaú e Jacó –, disse que não está ligando para as críticas e reafirmou não acreditar que a ponte será construída.

“Vão transformar numa poderosa Jamaica, só que lá é com o salário mínimo jamaicano, que é maior que o nosso”, disse numa referência ao balneário do Caribe. “Tudo o que fiz foi escrever um artigo (publicado em A TARDE) dizendo a minha opinião. Não fiz abaixo-assinado, não ofendi ninguém. Falei foi do capital especulativo. Agora, se eles não gostaram e se alguém quer rebater minha opinião com xingamento, isso é com eles”.

Ubaldo, que amanhã encerra as férias de verão que costuma passar na ilha, a sua terra natal, acha que primeiro é preciso ver a relação custo/ benefício da obra para saber se vale a pena construir. Ele contesta o argumento de que a ponte será a solução para todos os problemas. “Por que Itaparica só terá segurança se tiver a ponte? E se tiver, quem vai investir no ferryboat?, indaga incisivo o escritor.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Oropa, França e Bahia

Do blog de Leni David

"Não sou artista, não sou famosa, não sou importante, mas já assinei o manifesto, pois sou baiana, amo a minha terra e nem quero imaginar a Baía de Todos os Santos, uma das mais belas que já vi, atravessada por uma ponte de cimento armado. Passei alguns dias em Itaparica no início de janeiro, como faço todos os anos e ouvi de muitos nativos, principalmente pessoas humildes, faxineiras, garçons, pescadores, enfim, de inúmeros habitantes da Ilha, protestos veementes contra a construção do "monstrengo", pois sabem que num futuro próximo, se essa maluquice vingar, onde hoje existem suas casas existirão condomínios de luxo e especulação imobiliária. Amo aquela ilha, que já é interligada ao continente pela Ponte do Funil e também acho que a especulação e a "voracidade dos empreiteiros" não tem limites.

Vamos apoiar João Ubaldo Ribeiro!

Para assinar a Petição, clique aqui."

bahiaflaneur: Le pont, les élites, le gouverneur, le mépris

bahiaflaneur

Ainsi, le gouverneur de Bahia, Jacques Wagner, du Parti des Travailleurs (PT) a choisi de traiter par le mépris la pétition initiée par le grand romancier brésilien, natif de l’île d’Itaparica, et présent là chaque année, Joao Ubaldo Ribeiro, pour dénoncer un projet pharaonique, démagogique, d’un pont de treize kilomètres de long, à construire entre le continent (Salvador) et l’île d’Itaparica.

Ainsi, ce post d’aujourd’hui vient officiellement lancer une longue série d’interventions pour dénoncer les collusions au coeur de ce projet - appel au crime contre l’écologie - d’infra-structure voulu par le pouvoir, projet démagogue, pouvoir corrompu et total complice des élites conservatrices qui ont mené, sciemment, l’Etat de Bahia à la dérive urbanistique ces quarante dernières années, sous la houlette de Antônio Carlos Magalhaes. En premier lieu, les entreprises OAS et Odebrecht, déjà évoquées dans ce blog. Sans oublier l’architecte, Ivan Smarcevscki, lié aux barons arrogants du Yatche Clube da Bahia.

Nous publions, tout d’abord, le texte, essentiel, paru le 26 janvier 2010 dans le quotidien A Tarde, de l’écrivain Joao Ubaldo Ribeiro, pour dénoncer ce projet. Puis, jour après jour, nous** essaierons, donc, de dénouer ce qui se trame, orchestré par des élites, au mépris d’une géographie, d’une histoire, d’un peuple îlien, et tout simplement d’une âme.

Ofensiva de Wagner e Pinheiro não esmorece João Ubaldo no debate sobre a ponte

Do blog Bahia em Pauta


Amigos de João Ubaldo Ribeiro garantem que os ataques públicos do governador Jaques Wagner e do secretário de Planejamento, Walter Pinheiro, não vão esmorecer o romancista nas críticas à construção da ponte Salvador-Itaparica. A tropa de choque do PT tenta amenizar os estragos nacionais dos questionamentos de intelectuais, artistas, escritores e jornalistas, além de outros profissionais, à obra bilionária. O manifesto "Itaparica: ainda não é adeus" já ganhou as assinaturas de Chico Buarque, Aninha Franco, Verissimo, Cacá Diegues, Fernando da Rocha Peres, Sonia Coutinho e do arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo, entre os nomes baianos e nacionais.

Jaques Wagner afirmou, em entrevista à repórter do jornal "A Tarde" Patrícia França, que os argumentos de Ubaldo são um "besteirol". “João Ubaldo é um grande escritor, não sei se é um grande urbanista, mas tem o direito de emitir a opinião dele. Mas não acho que a opinião dele é referencial. É uma opinião de um cidadão, como é um cidadão qualquer trabalhador de Itaparica", disse o governador. Por sua vez, Pinheiro declarou ao "Jornal do Brasil", em tom pejorativo, que "o velho João Ubaldo saiu da rede".

Uma das estratégias dos petistas, rebatidas com firmeza por Ubaldo, é afirmar que o itaparicano só passa o verão na Ilha. A outra é desqualificar suas intervenções como as de um nostálgico preservacionista. Mas quem conhece Ubaldo pode afirmar que ele soube ouvir técnicos a respeito da viabilidade e dos impactos da ponte de 13km. E, como bom polemista, seguirá a se municiar com especialistas e moradores da Ilha.

Difícil de prever o próximo lance do imbróglio da ponte, mas os desacostumados a debates intelectuais não devem esquecer que João Ubaldo Ribeiro não é apenas autor do clássico “Viva o povo brasileiro”. Ele também escreveu um livro fundamental para compreender as movimentações políticas e empresariais na Bahia e no Brasil: "Política: quem manda, por que manda, como manda".

Política Livre: Para Wagner, opinião de João Ubaldo é igual à de qualquer cidadão

Blog Política Livre

Duas semanas depois de lançado o manifesto em defesa de amplo debate sobre a construção da ponte Salvador-Ilha de Itaparica – tema do artigo “Adeus, Itaparica”, de autoria do escritor João Ubaldo Ribeiro publicado em A TARDE –, o governador Jaques Wagner (PT) declarou, nesta quinta, que é defensor da ponte porque traz modernidade. Ele disse respeitar a opinião de Ubaldo, ilustre itaparicano em férias na ilha, mas define como “besteirol” e “clichê” o argumento de que as coisas que envolvem dinheiro são sempre obra cara e a serviço de empreiteira.

“João Ubaldo é um grande escritor, não sei se é um grande urbanista, mas tem o direito de emitir a opinião dele. Mas não acho que a opinião dele é referencial. É uma opinião de um cidadão, como é um cidadão qualquer trabalhador de Itaparica”, disse Wagner, para quem os argumentos do escritor “podem ter uma reverberação maior pelo o que ele representa do ponto de vista do mundo literário, de nossa cultura”. Leia mais no jornal A Tarde.

Wagner diz que é besteirol argumento de João Ubaldo

Por Patrícia França, A TARDE, 5/02/2010

Duas semanas depois de lançado o manifesto em defesa de amplo debate sobre a construção da ponte Salvador-Ilha de Itaparica – tema do artigo “Adeus, Itaparica”, de autoria do escritor João Ubaldo Ribeiro publicado em A TARDE –, o governador Jaques Wagner (PT) declarou, nesta quinta, que é defensor da ponte porque traz modernidade. Ele disse respeitar a opinião de Ubaldo, ilustre itaparicano em férias na ilha, mas define como “besteirol” e “clichê” o argumento de que as coisas que envolvem dinheiro são sempre obra cara e a serviço de empreiteira.

“João Ubaldo é um grande escritor, não sei se é um grande urbanista, mas tem o direito de emitir a opinião dele. Mas não acho que a opinião dele é referencial. É uma opinião de um cidadão, como é um cidadão qualquer trabalhador de Itaparica”, disse Wagner, para quem os argumentos do escritor “podem ter uma reverberação maior pelo o que ele representa do ponto de vista do mundo literário, de nossa cultura”.

Aninha e Chico - O manifesto para discutir a ponte Salvador-Itaparica, que terá 12 quilômetros de extensão e deverá custar entre R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões, já tem a adesão de intelectuais de todo o país, como a dramaturga baiana Aninha Franco e o compositor Chico Buarque de Holanda. João Ubaldo, em seu artigo, alerta para o risco da ponte comprometer o meio ambiente e aumentar a pobreza na ilha por conta da especulação imobiliária.

Wagner acha que o tema não deva ser discutido com paixão, porque não contribui com o debate, e disse não ter nenhum medo de dogma. “Eu gosto de me contrapor com argumentos e com debates”, frisou o governador. “A verdade é um processo de debate e construção de consenso. Então não me venha pra cá nenhum dono da verdade, dizer é assim ou é assado”.

Em tom desafiador, falou: “Eu (também) posso encontrar outros ícones da cultura baiana e brasileira que têm opinião contrária ao do meu querido escritor”.

Audiência - Entre os que discordariam do escritor, na opinião do governador, estaria o povo de Itaparica e que o manifesto deveria ser uma audiência pública na ilha ou em Salvador ou na Prefeitura de Vera Cruz. “Esses são os maiores interessados” , assinala o petista, lembrando que mesma polêmica foi criada quando foi construída a Ponte do Funil, que interliga a ilha ao continente pela contracosta.

Jaques Wagner explicou que só fez lançar uma ideia que ele espera se materializar. Disse que, mesmo que quisesse buscar uma solução mais barata, expandindo por exemplo o Sistema Ferryboat, ainda assim não seria solução para driblar os congestionamentos nos feriados e durante o verão. Segundo ele, há impossibilidade de atracação e desatracação.

“A lancha vai continuar, mas precisamos expandir nossa capital que está estourada demograficamente e a ponte seria um vetor Oeste de crescimento”, ponderou Wagner, que não vê alternativa de menor custo para fazer a travessia, conectando a rodovia BR-242 com o Porto de Salvador. As construtoras OAS e Odebrecht já realizaram estudos preliminares e têm interesse em participar de uma eventual licitação.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Do blog Bahia em Pauta: De onde vem a fúria do secretário Pinheiro no ataque a João Ubaldo?

Por Vitor Hugo Soares, Bahia em Pauta

O que mais surpreende na reportagem que o Jornal do Brasil publica em sua edição desta quinta-feira (Bahia em Pauta reproduz), sobre a polêmica em torno da ideia do governo Wagner de construir uma ponte ligando Salvador a Itaparica, são as imagens e palavras de extrema agressividade utilizada pelo evangélico Secretário de Planejamento, Walter Pinheiro (PT), contra o escritor João Ubaldo Ribeiro. Nascido em Itaparica e dono da obra fabulosa que projetou a ilha baiana no mundo inteiro, Ubaldo se opõe frontalmente à obra bilionária.

Vejamos dois trechos do que disse Pinheiro – encarregado de tocar o projeto como assinala o JB – sobre Ubaldo, a propósito de discutir o tema:

– O João Ubaldo tem todo o direito de destilar o veneno dele. Deve estar olhando para governos anteriores.

– O velho João Ubaldo saiu da rede. Se não fosse o PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), ele receberia a ponte pelo peito.

Fiquemos por aí, por enquanto:

O relevante aqui é chamar a atenção para o palavreado agressivo que Pinheiro usa na defesa da ponte e do governo, surpreendente até mesmo para alguns de seus mais próximos companheiros petistas. Principalmente quando lembram a docilidade apática do atual secretário estadual de Planejamento, nos debates com João Henrique Carneiro (PMDB) nos quais foi fragorosamente derrotado.

Ainda não deu para esquecer os debates e a apatia nem entre os de memória mais curta, na disputa pela prefeitura de Salvador, também vencida pelo adversário, que, como se sabe não é dos melhores em debates e em administração. Ao contrário, mostram as pesquisas mais recentes.

No fim, a pergunta que não quer calar: Onde Pinheiro foi buscar tanta fúria para agredir o escritor João Ubaldo?

(Vitor Hugo Soares)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Jornal do Brasil: Projeto de ponte entre Salvador e Itaparica gera críticas a J. Wagner

Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - O governador Jaques Wagner (PT) quer entrar para a história como o líder político que materializou a obra de maior impacto na vida dos baianos, a ponte Salvador-Itaparica, colosso com extensão de 14 quilômetros, custo estimado entre R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões e vetor de um megaprojeto de infraestrutura de desenvolvimento regional. Mas há uma pedra no meio caminho. E das grandes.

– Se essa ponte sair vai favelizar a ilha. Será a lógica da especulação imobiliária e da roubalheira. Itaparica será uma patética Miami tupiniquim dos pobres – dispara o escritor João Ubaldo Ribeiro, ilustre itaparicano, que passa férias na ilha e não se conteve ao tomar conhecimento do grande empreendimento.

O protesto do escritor que universalizou a ilha em seus livros vem desencadeando uma série de manifestações de artistas e intelectuais, preocupados com o impacto das obras em dois santuários, a Baía de Todos os Santos e as cidades de Itaparica e Vera Cruz. Hoje, Itaparica é uma bucólica e paradisíaca ilha com pouco mais de 20 mil habitantes, distribuídos em 240 quilômetros quadrados. Ubaldo acha que, de um lado, a ponte atrairá mais pobreza, violência e destruição ambiental e, de outro, a especulação imobiliária, com requintados e milionários condomínios fechados.

– Não haverá preservação coisa nenhuma – diz o escritor, que sacudiu a Bahia com um artigo, Adeus, Itaparica, publicado a seu pedido no jornal A Tarde, de Salvador. Embora garanta que não teve a pretensão de abrir uma cruzada, o escritor ganhou gosto pela polêmica e reforçou seus argumentos com severas críticas à iniciativa. – Só expressei minha desolação.

João Ubaldo, que considera o projeto “uma estupidez” movida, entre outros fatores, por um processo de estigmatização do “ferry-boat”, o precário sistema de travessia de Salvador para Itaparica, cujas filas, em feriados e fins de semana, se arrastam por até seis horas.

– Com R$ 150 milhões de investimentos é possível reaparelhar e colocar mais três ou quatro embarcações sem correr o risco de homiziar as favelas ou nos deixar como marisco entre os donos da terra e os posseiros – desabafa o escritor. Ele diz que a procura por terra já começou e afirma, com base em informações de amigos engenheiros, que a estimativa de gastos do governo estadual faz parte do “velho golpe” de começar uma obra e depois dizer que o orçamento estourou. – Pode apostar que não cobre (o valor estimado) nem o primeiro quarto da ponte.

O governo baiano praticamente já abriu o canteiro de obras para a construção da ponte, que será mais longa que a Rio-Niterói (13,2 km) e comparável à Vasco da Gama, sobre o Rio Tejo, em Portugal (17,3 quilômetros). Há mais de três décadas na gaveta, um esboço do projeto foi entregue por Wagner ao presidente Lula em março do ano passado, com um pedido para que a iniciativa fosse incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2. O resultado já é visível: o orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Denit) deste ano tem disponíveis exatos R$ 23.752.770,00 para os estudos de viabilidade e dos impactos da obra.

– O João Ubaldo tem todo o direito de destilar o veneno dele. Deve estar olhando para governos anteriores – reagiu o secretário de Planejamento do governo baiano, Walter Pinheiro. A ponte, segundo Pinheiro, vai além de Itaparica. Criaria um novo eixo de expansão da já esgotada região metropolitana de Salvador pelo lado Oeste do estado, interligando uma via expressa a partir do Porto de Salvador ao Recôncavo Baiano e à região do Baixo Sul da Baia pela BR-242. E desta para as duas principais rodovias federais, a 116, em direção ao centro do país, e a 101, pelo litoral.

Na semana passada, com a publicação do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) convocando empresas e pessoas física interessadas em esboçar o projeto da ponte, o governo baiano sinalizou que não se trata mais de uma simples idéia. Depois, garante o secretário de Planejamento, Walter Pinheiro, virão as outras etapas, como o edital e, finalmente, a licitação.

População local apoiaria obra em caso de plebiscito
Encarregado de tocar o projeto da ponte Salvador-Itaparica, o secretário de Planejamento, Walter Pinheiro garante que as obras só serão executadas depois de uma ampla discussão com a sociedade baiana. Apesar dos grandes interesses que colocam duas gigantes da construção civil como possíveis participantes, a OAS e a Odebrecht, o governo não fechou ainda com nenhum projeto, cujo prazo para apresentação vai até 14 de março. Pinheiro responde o principal crítico da obra, o escritor João Ubaldo Ribeiro, afirmando que a reação é resultado do amplo debate.

– O velho João Ubaldo saiu da rede. Se não fosse o PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), ele receberia a ponte pelo peito – ironiza o secretário. Pinheiro garante que o projeto tem viabilidade econômica, sustenta que o governo está atento a todos os aspectos do impacto da obra e afirma que a suspeita de corrupção levantadas pelo escritor é vício da eterna desconfiança de governos passados. – O João Ubaldo não se libertou do vício da coisa pronta.

O secretário acha que, ao levantar suspeitas de propina antes da existência de um projeto, o escritor está “adjetivando” o próprio irmão, o engenheiro Manuel Ribeiro Filho, diretor da OAS, uma das empreiteiras que reivindicam participação na obra. Irmão mais novo de João Ubaldo, Manuel entregou ao governo, no ano passado, uma proposta de construção da via expressa Salvador-Itaparica, reforçando a viabilidade das obras para a economia de Bahia.

Ao JB, o escritor afirmou que diverge das opiniões do irmão e admite que, caso o governo recorra ao que chama de “modismo” e realize um plebiscito, a maioria dos moradores da ilha estará a favor da ponte.

– Se a gente fizesse uma lista de quem mora em Itaparica e é a favor da ponte, seria uma covardia. O João Ubaldo vai lá de vez em quando – alfineta o secretário de Planejamento que, apesar das divergências por causa da obra, se define como um fã do escritor. – Viva o Povo Brasileiro (uma das mais famosas obras do escritor) é meu livro de cabeceira. (V.Q.)

Governo da Bahia quer ponte sobre a Baía de Todos os Santos! Acesse abaixo-assinado

Por Edu Maretti, São Paulo

Fatos Etc.

O governo Juscelino Kubistchek é responsável por instituir no Brasil o reino das rodovias, reino que não floresceria sem a premissa da destruição de nossos patrimônios naturais. Não defendo que vivêssemos num país sem estradas e ruas de asfalto, mas a falta de planejamento, o desenvolvimento a qualquer custo e a burrice urbanística deram no caos de hoje, simbolizado pelas enchentes sem fim.

Foi Juscelino, em nome do progresso, impelido pelo capital da indústria automobilística, que sucateou até a destruição a malha ferroviária que deveria interligar as regiões deste país continental.

Em Salvador (BA), uma nova ideia de destruição é causa de um debate que já virou abaixo-assinado inspirado pelo escritor João Ubaldo Ribeiro (ao final deste post, o manifesto e o link para quem quiser assinar), com a participação de Chico Buarque, Luis Fernando Verissimo, Cacá Diegues, Milton Hatoum e outros. O governo do estado, capitaneado pelo petista Jacques Wagner, quer construir uma ponte de 13 km para ligar Salvador à cidade de Itaparica, sobre a infinitamente bela Baía de Todos os Santos. Seria uma boa maneira, por exemplo, de acabar com o trabalho dos barqueiros que levam os turistas da metrópole para a ilha (foto deste post). Mas quem se importa com eles quando estão em jogo bilhões? As maiores interessadas são as grandes construtoras. Quem mais? Isso é que é ser de esquerda.

A quem conhece Itaparica não precisa dizer nada, basta imaginar a degradação ambiental da maior ilha marítima brasileira. Um dos líderes e principais defensores do projeto no governo de "esquerda" de Jacques Wagner é o secretário de Infraestrutura do governo da Bahia, João Leão (PP), deputado federal licenciado e ex-afilhado do ex-senador Antonio Carlos Magalhães.

A ideia do secretário do petista Wagner, claro, é o progresso. No texto que inspirou o abaixo-assinado, diz João Ubaldo, que viveu em Itaparica, onde sempre passa as férias: "Conheço esse progresso. É o progresso que acabou com o comércio local; que extinguiu os saveiros que faziam cabotagem no Recôncavo; que ao fim dos saveiros juntou o desaparecimento dos marinheiros, dos carpinas, dos fabricantes de velas e toda a economia em torno deles; que vem transformando as cidades brasileiras, inclusive e marcadamente Salvador, em agregados modernosos de condomínios e shoppings acuados pela violência criminosa que se alastra por onde quer que estejamos enfurnados, ilhas das quais só se sai de automóvel, entre avenidas áridas e desertas de gente".

Os signatários dizem no documento que é "dever do governo do Estado da Bahia abrir um abrangente debate público sobre o projeto da Ponte Salvador-Itaparica".

Clique aqui para acessar o texto de João Ubaldo e o abaixo-assinado.

Eles apoiam a defesa da Ilha de Itaparica

Luis Fernando Verissimo - escritor

Chico Buarque - compositor, dramaturgo e escritor

Tuna Espinheira - cineasta, diretor de "Cascalho"




Sante Scaldaferri - artista plástico

André Setaro - professor e crítico de cinema

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Jorge Amado: o escritor e os destinos da Bahia

Trecho de um depoimento de Jorge Amado à tradutora Alice Raillard. Leitura recomendável para este início de fevereiro:

"Estou envolvido com todos os problemas que temos por aqui: a preservação do patrimônio cultural da igreja de Santana, o problema ecológico da Lagoa do Abaeté - aqui uma igreja que querem destruir, ali uma fábrica que querem construir, uma fábrica terrivelmente poluente!... Todo mundo briga, é preciso brigar. A discussão sobre a igreja de Santana já leva anos, e temo que seus dias estejam contados. É uma igreja modesta, mas é um pouco da alma do Rio Vermelho há mais de dois séculos - ainda hoje, a pracinha ao lado da igreja, com a vendedora de acarajés (por sinal deliciosos), é ponto de encontro dos mais antigos do bairro. É assim aqui na Bahia."

"Quero dizer que não sou apenas um escritor, mas, enquanto tal, sou muito ligado à vida do povo baiano há muitos anos, desde a minha adolescência - devido a um conhecimento muito íntimo, um contato muito próximo -, sou alguém que tem uma certa responsabilidade na vida da cidade. Ainda esta manhã, a ex-esposa de Capinam me ligou; tive que ditar uma declaração por telefone, em meio a toda a confusão que havia por aqui, para que ela pudesse datilografá-la e eu assinar. Não ocupo cargo algum, não tenho nenhuma função, não sou deputado, nem banqueiro, não sou rico, não sou nenhuma destas coisas, mas as pessoas vêm me procurar e eu me sinto responsável por tudo o que está ligado aos problemas da cidade, sejam eles sociais ou culturais."

"É uma posição que têm os artistas, os escritores da Bahia. Tome um pintor como Carybé, um cantor como Dorival Caymmi, um escritor como João Ubaldo Ribeiro, Mário Cravo, escultor, Calazans Neto, gravador, e muitos outros, todos eles têm esta postura de cidadãos responsáveis que se tornou quase uma tradição."

"Uma vez, é verdade, perdemos uma batalha ímportante, há uns quinze anos, quando decidiram construir uma fábrica de bióxido de titânio, perto de Arembepe, em Interlagos, um lindo vilarejo ao norte da capital do Estado - o mar, a floresta da Bahia... Nós brigamos de uma forma terrível, Carybé e outros, para impedir a construção. Ninguém queria esta fábrica em lugar algum do mundo, ela foi recusada em toda parte, e terminou por estourar na Bahia! Lutamos e perdemos.

"Aliás, foi daí que nasceu a idéia inicial de um de meus romances, Tieta do Agreste, escrito justamente em cima deste problema: a degradação da natureza, o aniquilamento da natureza no Brasil."

("Conversando com Jorge Amado", de Alice Raillard, Editora Record, 1990)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

João Leão: "Escritores estão de um lado, o povo está de outro"

Terra Magazine

Claudio Leal

Um dos responsáveis pelo desenvolvimento do projeto da bilionária ponte Salvador-Itaparica, o secretário de Infraestrutura do governo da Bahia, João Leão (PP), divide a arena: "Os escritores estão de um lado e o povo está de outro".

Crítico da ideia de construir uma ponte na Baía de Todos-os-Santos, o romancista itaparicano João Ubaldo Ribeiro ganhou o apoio de escritores, artistas, jornalistas e professores na defesa do ecossistema da maior ilha marítima do Brasil.

Do lado de Ubaldo, Luis Fernando Verissimo, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Sonia Coutinho, Hélio Pólvora, Ricardo Cravo Albin, entre outros signatários do manifesto "Itaparica: ainda não é adeus". Defensor leonino do projeto, João Leão opõe o desejo do povo de Itaparica à opinião dos intelectuais brasileiros.

- ...Nós fizemos uma pesquisa, na própria Ilha de Itaparica, e 95% da população aprova a ponte - sustenta o secretário, para completar: - Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores?

Deputado federal licenciado e ex-afilhado do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, Leão se incorpou ao governo de Jaques Wagner (PT) em 2009. A adesão sofreu bombardeios de petistas históricos, a exemplo da prefeita de Lauro de Freitas (BA), Moema Gramacho, que o incluiu, numa nota pública, entre os "sanguessugas profissionais da política". Wagner sustentou a escolha.

Nesta entrevista a Terra Magazine, o secretário baiano defende e justifica a ideia de construir a ponte de 13km na Baía de Todos-os-Santos. Quatro consórcios já compraram o edital, informa Leão.

- O que nós estamos querendo? Salvador só tem uma entrada, que é a BR-324... Você venha do Sul, venha do Norte, venha do Nordeste, você só entra pela BR-324... Porque a Baía circunda a cidade do Salvador. Com a construção da ponte, nós teríamos uma saída Sul - esclarece.

Opositor da intervenção na paisagem da Baía, o musicólogo e fundador do Museu da Imagem e do Som, Ricardo Cravo Albin, recorre a um exemplo histórico para destacar a ameaça do projeto à Ilha de Itaparica: "A Ilha do Governador, dentro da Guanabara, também recebeu ponte. Que só lhe trouxe desolação, destruição e perda de beleza. A ilha era um viveiro do Rio com suas chácaras, seus pomares ubérrimos, sua tranquilidade encantadora, refúgio de gente do porte de Rachel de Queirós e Vinicius de Moraes".

João Leão garante que o governo do Estado realizará todos os estudos de impacto ambiental.
Mas o secretário se contradiz quanto à existência de um projeto prévio. Antes do lançamento do edital, ele antecipou imagens da estrutura ao jornal baiano A Tarde, em 8 de janeiro. Declarou que se tratavam de estudos feitos, sem ônus para o Estado, pelas construtoras OAS e Odebrecht. Agora, ele evita citar o nome das empresas:

- Não, não, não. Nós não apresentamos nada. Nós apresentamos uma sugestão... Aquilo é um arquiteto aqui da Bahia que inventou aquele projeto - desfaz.

O arquiteto Ivan Smarcevscki confirmou ao jornal A Tarde que realizava estudos sobre a ponte para a OAS. Apesar de ter negado a existência de um anteprojeto, no correr da entrevista João Leão afirma que o escritor João Ubaldo Ribeiro critica a ponte porque "não conhece o projeto, o estudo que nós estamos fazendo". Depois, volta a informar:

- Eu disse que ele não está bem informado das ideias do anteprojeto que nós fizemos aqui.

Confira a conversa com João Leão, secretário de Infraestrutura da Bahia.

Terra Magazine - Como tem sido encaminhado o projeto de construção da Ponte Salvador-Itaparica?
João Leão - Nós licitamos as empresas. Já quatro consórcios compraram o edital para apresentar um projeto e mais a viabilidade econômica, a EVPE.

Quais foram as empresas?
Aí, rapaz, nem eu sei. Eu sei que diversos consórcios. Quando compra um edital aqui, é um segredo absoluto...

Mas houve a apresentação de anteprojetos?
Não, não, não. Nós não apresentamos nada. Nós apresentamos uma sugestão.

O senhor apresentou fotos, projeções ao jornal A Tarde, da Bahia.
Isso, isso.

De quais empresas?
Não, isso aí é o seguinte: foram as sugestões que algumas fizeram aqui conosco, entendeu? O estudo de agora é que vai demonstrar qual é o projeto. Aquilo é um arquiteto aqui da Bahia que inventou aquele projeto...

Para a empreiteira OAS, não é isso?
Não, não foi. Rapaz, cada empresa... Isso eu não sei. Recebi isso de um arquiteto.

Do arquiteto Ivan Smarcevscki.
Ivan Smarcevscki. É isso mesmo.

Quais são os argumentos mais convincentes para que essa ponte seja construída?
Os argumentos são os seguintes. Primeiro, nós vamos pegar a BR-242, que sai lá do Paraguaçu e vai em linha reta pra Salvador. Então, quem vem do Rio de Janeiro para Salvador, pela BR-116, economiza duzentos quilômetros para chegar a Salvador. Quem vem do Sul pela BR-101 economiza 120 quilômetros. Quem vem do Oeste da Bahia para Salvador economiza 200 quilômetros. Então, a BR-242, o quilômetro zero dela é no Paraguaçu e nós vamos transferir o quilômetro zero dela pra Salvador. O que nós estamos querendo? Salvador só tem uma entrada, que é a BR-324. É a ligação Salvador-Feira de Santana. Nós só temos esse acesso. Você venha do Sul, venha do Norte, venha do Nordeste, você só entra pela BR-324. É uma cidade de um único acesso em função da Baía de Todos-os-Santos. Porque a Baía circunda a cidade do Salvador. Com a construção da ponte, nós teríamos uma saída Sul.

Secretário, e a questão ambiental? Há críticas fortes do escritor João Ubaldo Ribeiro. Primeiro, a degradação da Ilha, a devastação dos últimos resquícios de matas, de belezas naturais. E o processo de degradação ambiental?
O problema é o seguinte: o escritor João Ubaldo Ribeiro não conhece o projeto, o estudo que nós estamos fazendo. Então, se ele conhecesse o estudo, eu acredito que ele não criticaria. Porque o objetivo do governo do Estado é, ao contrário, melhorar a Ilha de Itaparica. Tanto o município de Mar Grande quanto o município de Itaparica. Só para você ter ideia, nós estamos agora renovando todas as vias da Ilha de Itaparica. Estamos fazendo lá a BA-001, que liga Nazaré de Farinhas até o Ferryboat, o sistema Bom Despacho, restaurando todos os acessos a todas as localidades da Ilha de Itaparica, inclusive a própria cidade de Itaparica. O que acontece? O tráfego vai passar pela Ilha para a ponte, o tráfego que vem da BR-242, da BR-116 e da BR-101, vai passar pela Ilha por um canal fechado, certo? A ponte vai ter três pistas. Uma pista de ida Salvador-Itaparica, dupla, e uma pista de volta do lado esquerdo. No meio, nós vamos ter uma pista fechada. Ela entra lá na Ponte do Funil e ninguém pode sair pra lugar nenhum na Ilha.

O senhor me disse que não havia projeto, está na fase do anteprojeto, mas está me dando detalhes de um projeto. Que projeto é esse?
Sim, querido, eu estou lhe dando detalhes do anteprojeto...

Mas o senhor fala como se fosse num sentido já determinado, para o escritor João Ubaldo conhecer e tudo mais.
É isso. Eu disse que ele não está bem informado das ideias do anteprojeto que nós fizemos aqui. Temos um anteprojeto.

João Ubaldo afirma que a Ilha vai entrar para zona urbana de Salvador. Isso agravaria o processo de degradação da Ilha, que já é evidente. Não existe esse lado?
Eu acho que ao contrário. Por exemplo, Lauro de Freitas era periferia de Salvador se você caminhar pro Litoral Norte. Era periferia.

O senhor foi prefeito de lá.
Era considerado subúrbio de Salvador. Hoje você tem uma cidade que foi planejada, projetada.

A Baía de Todos-os-Santos é de uma beleza extrema. Uma ponte vai cortar essa Baía logo na entrada, diante de Salvador? O artista plástico e curador, Emanoel Araújo, propõe o tombamento da Baía, para evitar que essa ponte a viole. Essa paisagem não precisa ser preservada?
Você acha que a Baía da Guanabara teve algum problema com a ponte (Rio-Niterói)?

Fica na parte de trás do Rio de Janeiro e não na entrada da Baía.
Os estudos que nós vamos fazer vão dar todos os impactos que nós teremos sobre a Baía de Todos-os-Santos.

Alguns críticos falam que essa obra atende somente aos interesses das grandes empreiteiras. Como o senhor vê isso?
Não vejo dessa maneira. Essa obra interessa ao povo da Bahia. Imagine você ir para Santo Antônio de Jesus, uma cidade aqui do Recôncavo, e economizar 120 quilômetros! É interesse da empreiteira isso?

A obra é bilionária, não é evidente que as empreiteiras têm interesse nisso?
Rapaz, qualquer empreiteira. Estou fazendo aqui a obra do acesso a Quijingue. Uma obra de 700 e poucos mil reais. Dez empreiteiras entraram, comprando o edital. Toda obra tem interesse das empreiteiras, meu filho. De 400 mil a... Por exemplo, nós estamos executando hoje, no Brasil, grandes obras. Lógico que as empreiteiras têm interesse. Se nós não executarmos as obras... Então vamos acabar com as empreiteiras!

Todas as empreiteiras têm interesses em obras, óbvio. Mas o que se ressalva é que o bem público deve estar acima disso. Há escritores em todo o Brasil apoiando João Ubaldo nessa questão, como o Verissimo, Hatoum...
Maravilha! Só que os escritores estão de um lado e o povo está de outro.

O senhor acha isso?
Eu acho.

Por quê?
Porque nós fizemos uma pesquisa, na própria Ilha de Itaparica, e 95% da população aprova a ponte.

A população tem concepção de urbanismo?
(risos) Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores?

São pessoas mais aprofundadas em estudos, não?
Se o cara disser... Por exemplo, estou aqui com a estrada que liga Casa Nova a Remanso, Remanso a Pilão Arcado, Pilão Arcado a Campo Alegre de Lourdes, aí desce, passa pela região dos Brejos da Barra. E tem ecologista que acha um absurdo passar uma estrada por um lugar desse.

É um exagero de ecologistas essa questão?
Não, não é exagero. Eu acho que é a necessidade da população. Com isso, eu vou economizar 500 km de Barreiras a Juazeiro.

De onde virá o dinheiro para bancar a obra?
Rapaz, isso é o seguinte. O governo não quer botar dinheiro, não. Nós queremos parceiros. Essa obra será uma PPP (Parceria Público-Privada). Nós queremos parceiros. Quem é que vai pagar o pedágio? A população. Agora, se você analisar, um caminhão que cruza a estrada que sai da BR-116 para Salvador economiza duzentos quilômetros. Ele gasta uma média de três reais de diesel por quilômetro!

Para o pedágio pagar o investimento na ponte vai demorar muitos e muitos anos...
É lógico. Mas o investidor é isso. Nós privatizamos agora a BR-116, aqui na Bahia.

Sim, mas aí é diferente. Esse tipo de investimento não é muito diferente?
Não, o investimento é de um bilhão e seiscentos milhões.

Inicialmente...
Inicialmente. O cara vai ter o pedágio pra pagar, paulatinamente, a aplicação do recurso que ele fez. A ponte é a mesma coisa.

Política Livre: Emanoel Araújo defende João Ubaldo e ataca Wagner

Política Livre

Além do cantor e compositor Chico Buarque, o artista plástico baiano Emanoel Araújo, fundador do Museu Afro-Brasil e ex-diretor da Pinacoteca de São Paulo, e o musicólogo Ricardo Cravo Albin também se manifestaram esta semana em defesa do manifesto do escritor João Ubaldo Ribeiro contra a construção da ponte ligando Salvador a Itaparica.

- A Baía de Todos-os-Santos tem que ser tombada. Porque sempre foi motivo de relatos históricos de viajantes, como o de Maria Graham (escritora britânica, 1785-1842) e Maximiliano da Áustria, que descreve o esplendor. Não se pode simplesmente criar uma ponte cortando essa baía, porque ela tem uma inteireza, vai pelo Recôncavo e forma essa magnitude", disse Araújo, em entrevista ao Terra Magazine.

E ironizou: "Tem que ser respeitada essa geografia. Se quiser fazer um caminho rápido, que se faça por Feira de Santana. Esse anúncio da ponte é tão extraordinário que termina ficando somente no anúncio". Também criticou o governador: – O governador (Jaques Wagner) não tem credibilidade nenhuma. Isso é um anúncio de campanha eleitoral. Ubaldo, não se despeça de Itaparica, a ponte não vai sair! Mas a degradação da Ilha vai continuar por conta de todos os farofeiros. Não acredito que vão fazer essa ponte. E, além do mais, pra quê? Não tem sentido nenhum.

Segundo o Terra Magazine, para o ex-diretor do Museu de Arte da Bahia, o governo baiano "não tem a menor capacidade para tocar nenhum projeto com essa magnitude." – Tive a experiência do Museu Rodin. Eles tiveram sete anos pra organizar e o que fizeram lá é uma lástima. Cravo Albin, fundador do Museu da Imagem e do Som, outro que assinou o manifesto de João Ubaldo, também em entrevista ao Terra Magazine, vinculou "a cobiça de empreiteiras e imobiliárias sobre o paraíso ecológico baiano com o que ocorre em outras cidades brasileiras, a exemplo de Penedo, em Alagoas".

Considerado um dos maiores conhecedores da história da Música Popular Brasileira, o musicólogo deixou uma mensagem no momento em que apoiou o romancista baiano: – A indignação de Ubaldo não é só legítima e necessária. Vai além, muito além. É um grito – talvez uma prece até canônica – contra o farisaísmo dessa canalha que usurpa todo um País em nome – meu Deus! – do progresso. Eu nunca me acostumei a aceitar tamanha impostura e vilania. Empreendi, recordo agora, uma campanha para salvar a cidade colonial de Penedo, terra de minha mãe, de uma ponte medonha que ligaria Alagoas a Sergipe. E tive que lutar inclusive contra meus parentes. Mas vencemos.

A Tarde registra apoio de Chico Buarque

"Depois de Luiz Fernando Veríssimo e Cacá Diegues, o manifesto "Itaparica ainda não é adeus", de apoio ao escritor João Ubaldo Ribeiro em suas críticas contra a construção da ponte Salvador-Itaparica, ganhou apoio de outro notável nacional: o cantor Chico Buarque de Holanda assinou ontem." (Levi Vasconcelos, coluna Tempo Presente, jornal A Tarde, 02/02)

Chico Buarque apoia João Ubaldo em debate sobre ponte




O compositor Chico Buarque assinou nesta segunda-feira o manifesto em defesa do escritor João Ubaldo Ribeiro no debate sobre a ponte Salvador-Itaparica, anunciada pelo governo da Bahia.

Articulado por amigos, jornalistas e escritores, o texto "Itaparica: ainda não é adeus" já foi assinado por Luis Fernando Verissimo, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Ricardo Cravo Albin, Sonia Coutinho, Jomard Muniz de Britto, Hélio Pólvora, Edson Nery da Fonseca, Sebastião Nery, Hélio Contreiras, além de companheiros da "Geração Mapa" (aglutinada por Glauber Rocha), como o poeta Fernando da Rocha Peres, os artistas plásticos Sante Scaldaferri e Ângelo Roberto, o ex-procurador-geral do Estado Antonio Guerra Lima e o músico Walter Queiroz Júnior.


O governo da Bahia pretende construir uma ponte de 13 km na Baía de Todos-os-Santos, ligando Salvador a Itaparica, a maior ilha marítima brasileira. Para o secretário baiano de Infraestrutura, João Leão (PP), "os escritores estão de um lado e o povo está de outro", como afirmou em entrevista publicada hoje por Terra Magazine: "Se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores?".


Com o apoio de Chico Buarque, alguns dos principais intelectuais brasileiros defendem um debate amplo sobre a construção da obra polêmica. Para João Ubaldo, se a ponte for construída, a Ilha de Itaparica, inspiradora de seus romances, será anexada à zona urbana de Salvador, o que representaria uma ameaça ao paraíso ecológico. A Ilha já sofre com surtos de violência.

Diz a abertura do manifesto:

"Os abaixo-assinados, cidadãos brasileiros, encontraram no emocionante e esclarecedor artigo "Adeus, Itaparica" (...) argumentos consistentes e equilibrados para inaugurar um debate amplo sobre o anteprojeto de construção da Ponte Salvador-Ilha de Itaparica, anunciado pelo governo do Estado da Bahia. O itaparicano João Ubaldo, cujos romances puseram a Ilha na geografia literária brasileira e universal, é uma voz qualificada para questionar elementos sombrios e outros mais claros do empreendimento, previsto como bilionário para os cofres públicos e incerto para o destino ecológico e econômico da maior ilha marítima do Brasil. O autor de "Viva o povo brasileiro" não está sozinho em seus questionamentos".

(Foto: Claudio Leal/Terra Magazine)