sábado, 20 de fevereiro de 2010

Jaques Wagner defende megaponte Salvador-Itaparica

Claudio Leal

Terra Magazine, 19/02/2010

Na abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), defendeu o projeto da megaponte Salvador-Itaparica, que motivou críticas do romancista João Ubaldo Ribeiro e um manifesto em defesa da Ilha de Itaparica e da Baía de Todos-os-Santos, assinado por alguns dos principais escritores brasileiros.


Durante o discurso anual, Wagner elencou mais uma justificativa para a construção da obra bilionária: reduzir a densidade demográfica de Salvador, com a ocupação dos espaços da maior ilha marítima brasileira e do Baixo Sul baiano.

João Ubaldo denunciou o risco de favelização do paraíso ecológico, com a urbanização predatória e o privilégio de condomínios fechados. Wagner se referiu à polêmica, mas evitou citar os opositores da ponte de 13 km, que motiva estudos das construtoras OAS e Odebrecht.

O petista afirma que o sistema marítimo do ferryboat será insuficiente para a expansão do fluxo de veículos. E não cogita desistir da ideia. Trechos do discurso do governador sobre o projeto:

"Debate anima"
"Um novo vetor de crescimento surgirá da interligação da Via Expressa com a futura ponte Salvador-Itaparica, que expandirá para o vetor Oeste, ligando Salvador à 242, à 001 e ao Baixo Sul. E aqui me permitam um comentário. Creio que qualquer obra da magnitude de uma ferrovia, da ponte Salvador-Itaparica, ela sempre aquecerá o debate. Eu creio que não há melhor forma de aprimorar os projetos do que num debate. Nessa Casa, fora dessa Casa, em todos os ambientes daqueles que pensam a nossa terra, de urbanistas, de engenheiros, de projetistas, de ambientalistas, e portanto creio que o debate que está em curso sobre a questão da ponte a mim pessoalmente me anima."

"Densidade demográfica"
"Creio que o prefeito da capital sabe disso, que nós temos a maior densidade demográfica entre todas as capitais do País. Entamos pertos de 9.000, 9.500 habitantes por km quadrado. Todos reconhecemos que Salvador não tem mais território pro seu crescimento. Todos queremos a integração da nossa capital com a beleza que é a baía de Camamu e o Baixo Sul. O ferryboat já experimentou 30% de incremento só com a inauguração da BA-001. Quando agora fizermos a interligação de Canavieiras a Belmonte, seguramente esse meio de transporte ficará cada vez insuficiente para o fluxo que nós teremos descendo seja para negócio, seja para o turismo, descendo pelo Baixo Sul da nossa terra. São muitos os empreendimentos de hotelaria que se preparam naquela região."

"Ferry não é transporte do futuro"
"Portanto, eu creio que o pensar a ponte não é um pensar de alguém que quer uma obra que leve seu nome. Até porque uma obra como essa demandará quatro, cinco anos, entre projeto e construção. Mas eu não tenho dúvida nenhuma que da forma como está sendo preparado, com o debate que será feito com as populações de Vera Cruz, de Itaparica, de Salvador, no Baixo Sul, com essa Casa seguramente, com as Câmaras de Vereadores, com os debates nas audiências públicas, nós poderemos aprimorar e garantir que esse projeto venha ao encontro do sonho de nossa gente, que quer desfrutar uma ilha preservada, mas quer ter um acesso mais fácil para essa ilha, para esse presente que Deus nos deu. Que nós queremos interligar Salvador com o Sul e com o Baixo Sul. Portanto, isso só pode ser feito não através do sistema de ferryboat, que por mais que nós consigamos melhorá-lo, seguramente ele não é um transporte do futuro, ele não é uma garantia.""Ainda mais, pensando como nós pensamos essa ponte, interligando ela, que passará a ser o quilômetro zero da BR-242, ou seja, trazendo todo o fluxo de Brasília e do Oeste baiano para chegar diretamente ao Porto de Salvador, numa via segregada, eu não tenho dúvida que através de um processo de concessão, com a participação do Estado, nós viabilizaremos essa ponte para a tranquilidade da gestão municipal de Salvador e para a garantia de um desenvolvimento sustentável da Ilha, do Baixo Sul e do Sul do Estado."

ADEUS, ITAPARICA
Em 22 de janeiro, João Ubaldo Ribeiro denunciou, no artigo "Adeus, Itaparica", o objetivo de grupos empresarias de transformar Itaparica em uma "patética Miami de pobre". A construtora OAS admitiu que pretende construir "condomínios fechados na parte central da ilha".

- As estatísticas são outro instrumento desses filibusteiros do progresso que em nosso meio abundam, entre concorrências públicas fajutas, superfaturamentos, jogadas imobiliárias e desvios de verbas. Mas essas estatísticas, mesmo quando fiéis aos dados coligidos, também padecem de pressupostos questionáveis. Trazem à mente o que alguém já disse sobre a estatística, definindo-a como a arte de torturar números até que eles confessem qualquer coisa - atacou Ubaldo.


O artigo motivou um movimento nacional em apoio ao romancista itaparicano e em defesa da Ilha de Itaparica e da Baía de Todos-os-Santos. Já assinaram o manifesto "Itaparica: ainda não é adeus": Luis Fernando Verissimo, Chico Buarque, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Ricardo Cravo Albin, Emanoel Araújo, Monique Gardenberg, Sonia Coutinho, Jomard Muniz de Britto, Hélio Pólvora, Edson Nery da Fonseca, Sebastião Nery, Walter Queiroz Júnior, Jerusa Pires Ferreira, Hélio Contreiras, Aninha Franco, Fernando da Rocha Peres, Ruy Espinheira Filho, entre outros. O texto defende um debate amplo sobre o projeto, questiona a prioridade da obra e afirma que João Ubaldo não é uma voz isolada.

Em entrevista a Terra Magazine, o secretário de Infraestrutura da Bahia, João Leão (PP), definiu a divisão da arena:

- Maravilha! Só que os escritores estão de um lado e o povo está de outro... Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores? ( leia aqui).

A dramaturga Aninha Franco rebateu, em artigo na revista Muito (jornal A Tarde), a postura do governo diante dos protestos de artistas e intelectuais:

- Conselho não se dá nem a quem pede, governador, mas no futuro, dentro da história que o senhor está tecendo, essa que vem sendo fotografada, filmada, escrita, a ponte que falta é a que liga o povo à educação, para que ele nunca mais precise de intermediários do seu querer. E pra fazer essa ponte, governador, é mais seguro ser parceiro de artistas - escreveu Aninha.

Alvo de especulação imobiliária, Itaparica sofre com o crescimento da violência e problemas de infraestrutura e transporte. Uma tragédia a mais promete agravar a degradação do paraíso que atrai empreiteiras. Desde a quarta-feira, 17, mais de 600 hectares de Mata Atlântica foram consumidos por um incêndio. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros suspeitam de ação criminosa.

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