sábado, 27 de fevereiro de 2010

O passado não acabou

Helington Rangel

(A Tarde, 24/02/2010)

De forma dissimulada, mas insultuosa, o deputado Walter Pinheiro, atual secretário do Planejamento do Estado, tentou desclassificar o cidadão e consagrado escritor João Ubaldo Ribeiro por manifestar-se contra o projeto megalômano da ponte entre Salvador e Itaparica, torrão natal do autor da imortal obra literária Viva o Povo Brasileiro.

A cidadania implantou-se a partir da Guerra de Secessão nos Estados Unidos e Revolução Francesa, dois eventos que marcaram o princípio de legitimidade da sociedade civil, convertendo-se em conceito histórico e não em definição vulgar ou carente de imaginação. Os avanços da cidadania dependem das reivindicações e ação dos indivíduos, como expressão do exercício democrático.

Após mais de meio século de industrialização na Bahia, a omissão do poder público expõe a dimensão da pobreza aqui, com renda per capita abaixo de Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte, inclusive menor esperança de vida. Multidões ainda vivem em favelas, sem água potável nas residências, nem beneficiadas com a coleta de lixo.

Em nome da religião do progresso, a desenfreada expansão vertical de Salvador produziu diminuição drástica no estoque de terras e a última fronteira se delimita com áreas de proteção ambiental – daí a afobação na construção da ponte para os sacerdotes do capital imobiliário difundirem seus templos.

A ironia paroquial do Secretário de Planejamento não foi suficientemente hábil para encobrir a decadência na educação e saúde pública do Estado, porém eficiente para ocultar interesses de grupos empresariais na transformação de terrenos especulativos em lotes, na criação de intransponíveis bairros luxuosos na ilha, apesar dos custos humanos.

É utópico sonhar com cidadania plena em uma comunidade injusta – e com a ponte dos bilhões, adaptada à ideologia do desenvolvimento do governo, a Bahia nada terá a comemorar, pois o presente ainda é o passado em todos seus contornos e atitudes. Talvez, no futuro, os cidadãos possam construir um Estado, onde as necessidades da sociedade tenham prioridade e as divergências de opiniões não sejam alvo do deboche de governantes.

Helington Rangel é professor universitário, economista e jornalista. E-mail: helingtonr@msn.com

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