sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uma ponte sobre o Recôncavo

Paulo Ormindo de Azevedo

(A Tarde, 23/02/2010)

Um réquiem de João Ubaldo para Itaparica, ameaçada de ser atropelada pela BR-242, provocou uma resposta grotesca e vazia do governo, que macula sua imagem. A reação foi xenofóbica e preconceituosa por ele residir no Rio, e não ser um técnico, senão um intelectual, supostamente amante do atraso. Assinei o manifesto em solidariedade ao escritor pela tentativa de desqualificá-lo, em defesa da liberdade de opinião e por outras razões que vão mais além dos seus temores.

A ponte, a meu ver, não fará de Itaparica uma extensão de Salvador, tanto quanto a Rio-Niterói não expandiu Niterói, nem desafogou o Rio, que cresce na direção oposta.

Itaparica, como Niterói, será apenas um atalho para a BR-101 e BR-242. Continuará como um conjunto de condomínios fechados usados um mês por ano, como o litoral de Lauro de Freitas e Camaçari. Mesmo porque a ponte será uma nova Paralela, engarrafada 24 horas por dia, apesar de suas oito pistas, pois o gargalo está na entrada de Salvador. Não será também uma saída para a soja do oeste, pois o nosso porto, mesmo ampliado, não tem condição de operar granéis e tem uma sobrevida de 25 anos. Ela será, sim, uma ponte sobre o Recôncavo e ilhas, cujas estradas serão marginalizadas, o sistema hidroviário e patrimônio abandonados.

Não digo adeus à ilha, que continuará sendo apenas uma passagem, lamento por Salvador, que poderá receber cerca de 60 mil carros e caminhões diários entrando por São Joaquim e cruzando seu centro antigo em direção ao litoral norte, onde estão as praias mais badaladas e os principais centros de produção da região metropolitana de Salvador (RMS), o Copec e a Ford. Imaginem o engarrafamento do Américo Simas, da San Martin, da Contorno e do Iguatemi nos dois sentidos. Pela conformação do cabo de S. Antônio, não podemos ter um anel rodoviário, senão um fundo de saco (cul de sac). Para ele, o já congestionado Iguatemi, convergem duas estradas, a BR-324 e a Estrada do Coco/ Linha Verde. Agora teremos uma terceira, a BR-242. Enquanto em todo o mundo se evita a entrada de carros no centro, nós vamos despejar ali uma estrada de oito pistas.
A ponte terá também um impacto enorme sobre a segunda maior baía do mundo. A construção de uma ponte como essa demanda a construção de modelos reduzidos para simulações de marés, ventos e descargas de rios e assim evitar assoriamentos e correntezas indesejáveis. Pequenas obras nos portos de Fortaleza e Recife acabaram com as praias de Iracema e de Olinda. O Porto de Suape atraiu tubarões para a Praia de Boa Viagem.

Quanto perdeu Recife e perderá Salvador com um monstrengo que já arranca a 35 m de altura, prejudicando a paisagem, a navegação, os esportes náuticos e o turismo? É inconcebível que se licite um projeto dessa complexidade sem estudos de viabilidade e impactos. Nem eles podem ser feitos em 120 dias. Ao que tudo indica, o Convite à Manifestação de Interesse é apenas a legitimação do projeto do “Consórcio” já apresentado pelo secretário de Infraestrutura, cujo orçamento inicial é de R$ 2,5 bilhões, mas que poderá ser triplicado com os custos financeiros e operacionais. É um engano imaginar que o setor privado irá investir na ponte e que ela será paga com o pedágio. Com este projeto e o remake de R$ 1,61 bilhão da Fonte Nova (A TARDE, 30/01) a capacidade de endividamento do Estado fica comprometida por algumas décadas e nós contribuintes pagando o pato.

Caro colega Bira Gordo, li com a atenção seu artigo “Radicalismo e desenvolvimento” do último dia 11/02, por ser V. o mais ilustrado porta-voz da atual administração. Esta falsa oposição entre desenvolvimento e preservação ambiental, assim como a pecha de radicalismo atribuída ao contraditório são coisas dos anos 70. Confesso que não consegui enquadrar Ubaldo nem eu mesmo em nenhuma de suas categorias – vermelho/comuna, verde de raiva, infantil e senil/saudosista – nem numa fantasmagórica oposição.

Queremos apenas um desenvolvimento sustentável, que não seja só pontes, viadutos, asfalto, mais carros e fumaça. Há alternativas melhores e mais baratas.

Paulo Ormindo de Azevedo é arquiteto, professor titular da Ufba. E-mail: ormindo1@terra.com.br

2 comentários:

  1. PORQUE A PONTE?!!!!!Um projeto abandonado e esquecido,que complementaria o sistema Ferry Boat ( ligação S. Joaquim SSA a Bom Despacho Ita.)que seria a ligação do porto de Aratu ao Porto de S.Roque também através de ferry boat,e que nunca foi levado em consideração parece ser o mais obvio e viável senão vejamos:este sistema seria utilizado mais por veículos pesados (caminhões) que não passariam pela ilha de Itaparica nem dentro da cidade de Salvador pois do porto de Arautu tomariam seu rumo tornando o percurso muito mais curto sem prejudicar a ilha e a capital pois o desvio seria antes da ponte do Funil entrando em S.Roque do Paraguassu.A cidade de Salvador e hoje uma cidade travada por congestionamentos diários principalmente por não ter um projeto de transportes de massa e o nosso transporte por onibus é um autentico DINOSSAURO.A construção dessa ponte tornaria mais ainda vulnerável o nosso caótico transito, pois se quer após quase 15anos o nosso Metrinho de apenas 6 kms que ja consumiu mais de um bi e duzentos ainda não pode dar os seus primeiros passos.A nossa ferrovia suburbana esfacelada dividida com a interdição da ponte de S.João interditada pelo MP por estar em decomposição,esta esquecida e abandonada.Além disso temos que avaliar o custo ambiental e a degradação fÍsica, social e cultural de que serão vitimas a ilha e a sua população.(vejam o expl.de Porto Seguro uma cidade histórica degradada e transformada num Shoping a céu aberto) O sistema de Ferrys é vitima da sua péssima adm.e a falta de atitude do poder publico.Pergunta...porque então não se investir primeiro em um moderno sistema de transportes de massa com Trens Metros, VLTs,Trolebus integrados para diminuir o volume de carros em nossas ruas e avenidas e melhorar a vida da nossa cidade e da nossa população?!!!Porque insistir nessa velha tecla de sempre se beneficiar o transporte rodoviario?!!!Não é atoa que aqui querem implantar o ASSOMBROSO BRT...Se gastaram durante quase 15 anos 1,2 bilhão no metro de 6 klms que ainda nem saiu da estação,como querem construir uma ponte SSA a ITA,gastando 1,5 bilhão? De uma coisa eu tenho certeza...a Baia de Todos os Santos não é a Baia da Guanabara...vão quebrar a cara... ( UMA COISA É UMA GRANDE OBRA OUTRA É UMA OBRA GRNDIOSA)- http://pregopontocom.blogspot.com/

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  2. Conheça a historia da fundação da CNB companhia de navegação Baiana e a ferrovia de Nazaré.A historia dos nossos trens e ferrovias. - http://pregopontocom.blogspot.com/

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