segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

João Leão: "Escritores estão de um lado, o povo está de outro"

Terra Magazine

Claudio Leal

Um dos responsáveis pelo desenvolvimento do projeto da bilionária ponte Salvador-Itaparica, o secretário de Infraestrutura do governo da Bahia, João Leão (PP), divide a arena: "Os escritores estão de um lado e o povo está de outro".

Crítico da ideia de construir uma ponte na Baía de Todos-os-Santos, o romancista itaparicano João Ubaldo Ribeiro ganhou o apoio de escritores, artistas, jornalistas e professores na defesa do ecossistema da maior ilha marítima do Brasil.

Do lado de Ubaldo, Luis Fernando Verissimo, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Sonia Coutinho, Hélio Pólvora, Ricardo Cravo Albin, entre outros signatários do manifesto "Itaparica: ainda não é adeus". Defensor leonino do projeto, João Leão opõe o desejo do povo de Itaparica à opinião dos intelectuais brasileiros.

- ...Nós fizemos uma pesquisa, na própria Ilha de Itaparica, e 95% da população aprova a ponte - sustenta o secretário, para completar: - Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores?

Deputado federal licenciado e ex-afilhado do ex-senador Antonio Carlos Magalhães, Leão se incorpou ao governo de Jaques Wagner (PT) em 2009. A adesão sofreu bombardeios de petistas históricos, a exemplo da prefeita de Lauro de Freitas (BA), Moema Gramacho, que o incluiu, numa nota pública, entre os "sanguessugas profissionais da política". Wagner sustentou a escolha.

Nesta entrevista a Terra Magazine, o secretário baiano defende e justifica a ideia de construir a ponte de 13km na Baía de Todos-os-Santos. Quatro consórcios já compraram o edital, informa Leão.

- O que nós estamos querendo? Salvador só tem uma entrada, que é a BR-324... Você venha do Sul, venha do Norte, venha do Nordeste, você só entra pela BR-324... Porque a Baía circunda a cidade do Salvador. Com a construção da ponte, nós teríamos uma saída Sul - esclarece.

Opositor da intervenção na paisagem da Baía, o musicólogo e fundador do Museu da Imagem e do Som, Ricardo Cravo Albin, recorre a um exemplo histórico para destacar a ameaça do projeto à Ilha de Itaparica: "A Ilha do Governador, dentro da Guanabara, também recebeu ponte. Que só lhe trouxe desolação, destruição e perda de beleza. A ilha era um viveiro do Rio com suas chácaras, seus pomares ubérrimos, sua tranquilidade encantadora, refúgio de gente do porte de Rachel de Queirós e Vinicius de Moraes".

João Leão garante que o governo do Estado realizará todos os estudos de impacto ambiental.
Mas o secretário se contradiz quanto à existência de um projeto prévio. Antes do lançamento do edital, ele antecipou imagens da estrutura ao jornal baiano A Tarde, em 8 de janeiro. Declarou que se tratavam de estudos feitos, sem ônus para o Estado, pelas construtoras OAS e Odebrecht. Agora, ele evita citar o nome das empresas:

- Não, não, não. Nós não apresentamos nada. Nós apresentamos uma sugestão... Aquilo é um arquiteto aqui da Bahia que inventou aquele projeto - desfaz.

O arquiteto Ivan Smarcevscki confirmou ao jornal A Tarde que realizava estudos sobre a ponte para a OAS. Apesar de ter negado a existência de um anteprojeto, no correr da entrevista João Leão afirma que o escritor João Ubaldo Ribeiro critica a ponte porque "não conhece o projeto, o estudo que nós estamos fazendo". Depois, volta a informar:

- Eu disse que ele não está bem informado das ideias do anteprojeto que nós fizemos aqui.

Confira a conversa com João Leão, secretário de Infraestrutura da Bahia.

Terra Magazine - Como tem sido encaminhado o projeto de construção da Ponte Salvador-Itaparica?
João Leão - Nós licitamos as empresas. Já quatro consórcios compraram o edital para apresentar um projeto e mais a viabilidade econômica, a EVPE.

Quais foram as empresas?
Aí, rapaz, nem eu sei. Eu sei que diversos consórcios. Quando compra um edital aqui, é um segredo absoluto...

Mas houve a apresentação de anteprojetos?
Não, não, não. Nós não apresentamos nada. Nós apresentamos uma sugestão.

O senhor apresentou fotos, projeções ao jornal A Tarde, da Bahia.
Isso, isso.

De quais empresas?
Não, isso aí é o seguinte: foram as sugestões que algumas fizeram aqui conosco, entendeu? O estudo de agora é que vai demonstrar qual é o projeto. Aquilo é um arquiteto aqui da Bahia que inventou aquele projeto...

Para a empreiteira OAS, não é isso?
Não, não foi. Rapaz, cada empresa... Isso eu não sei. Recebi isso de um arquiteto.

Do arquiteto Ivan Smarcevscki.
Ivan Smarcevscki. É isso mesmo.

Quais são os argumentos mais convincentes para que essa ponte seja construída?
Os argumentos são os seguintes. Primeiro, nós vamos pegar a BR-242, que sai lá do Paraguaçu e vai em linha reta pra Salvador. Então, quem vem do Rio de Janeiro para Salvador, pela BR-116, economiza duzentos quilômetros para chegar a Salvador. Quem vem do Sul pela BR-101 economiza 120 quilômetros. Quem vem do Oeste da Bahia para Salvador economiza 200 quilômetros. Então, a BR-242, o quilômetro zero dela é no Paraguaçu e nós vamos transferir o quilômetro zero dela pra Salvador. O que nós estamos querendo? Salvador só tem uma entrada, que é a BR-324. É a ligação Salvador-Feira de Santana. Nós só temos esse acesso. Você venha do Sul, venha do Norte, venha do Nordeste, você só entra pela BR-324. É uma cidade de um único acesso em função da Baía de Todos-os-Santos. Porque a Baía circunda a cidade do Salvador. Com a construção da ponte, nós teríamos uma saída Sul.

Secretário, e a questão ambiental? Há críticas fortes do escritor João Ubaldo Ribeiro. Primeiro, a degradação da Ilha, a devastação dos últimos resquícios de matas, de belezas naturais. E o processo de degradação ambiental?
O problema é o seguinte: o escritor João Ubaldo Ribeiro não conhece o projeto, o estudo que nós estamos fazendo. Então, se ele conhecesse o estudo, eu acredito que ele não criticaria. Porque o objetivo do governo do Estado é, ao contrário, melhorar a Ilha de Itaparica. Tanto o município de Mar Grande quanto o município de Itaparica. Só para você ter ideia, nós estamos agora renovando todas as vias da Ilha de Itaparica. Estamos fazendo lá a BA-001, que liga Nazaré de Farinhas até o Ferryboat, o sistema Bom Despacho, restaurando todos os acessos a todas as localidades da Ilha de Itaparica, inclusive a própria cidade de Itaparica. O que acontece? O tráfego vai passar pela Ilha para a ponte, o tráfego que vem da BR-242, da BR-116 e da BR-101, vai passar pela Ilha por um canal fechado, certo? A ponte vai ter três pistas. Uma pista de ida Salvador-Itaparica, dupla, e uma pista de volta do lado esquerdo. No meio, nós vamos ter uma pista fechada. Ela entra lá na Ponte do Funil e ninguém pode sair pra lugar nenhum na Ilha.

O senhor me disse que não havia projeto, está na fase do anteprojeto, mas está me dando detalhes de um projeto. Que projeto é esse?
Sim, querido, eu estou lhe dando detalhes do anteprojeto...

Mas o senhor fala como se fosse num sentido já determinado, para o escritor João Ubaldo conhecer e tudo mais.
É isso. Eu disse que ele não está bem informado das ideias do anteprojeto que nós fizemos aqui. Temos um anteprojeto.

João Ubaldo afirma que a Ilha vai entrar para zona urbana de Salvador. Isso agravaria o processo de degradação da Ilha, que já é evidente. Não existe esse lado?
Eu acho que ao contrário. Por exemplo, Lauro de Freitas era periferia de Salvador se você caminhar pro Litoral Norte. Era periferia.

O senhor foi prefeito de lá.
Era considerado subúrbio de Salvador. Hoje você tem uma cidade que foi planejada, projetada.

A Baía de Todos-os-Santos é de uma beleza extrema. Uma ponte vai cortar essa Baía logo na entrada, diante de Salvador? O artista plástico e curador, Emanoel Araújo, propõe o tombamento da Baía, para evitar que essa ponte a viole. Essa paisagem não precisa ser preservada?
Você acha que a Baía da Guanabara teve algum problema com a ponte (Rio-Niterói)?

Fica na parte de trás do Rio de Janeiro e não na entrada da Baía.
Os estudos que nós vamos fazer vão dar todos os impactos que nós teremos sobre a Baía de Todos-os-Santos.

Alguns críticos falam que essa obra atende somente aos interesses das grandes empreiteiras. Como o senhor vê isso?
Não vejo dessa maneira. Essa obra interessa ao povo da Bahia. Imagine você ir para Santo Antônio de Jesus, uma cidade aqui do Recôncavo, e economizar 120 quilômetros! É interesse da empreiteira isso?

A obra é bilionária, não é evidente que as empreiteiras têm interesse nisso?
Rapaz, qualquer empreiteira. Estou fazendo aqui a obra do acesso a Quijingue. Uma obra de 700 e poucos mil reais. Dez empreiteiras entraram, comprando o edital. Toda obra tem interesse das empreiteiras, meu filho. De 400 mil a... Por exemplo, nós estamos executando hoje, no Brasil, grandes obras. Lógico que as empreiteiras têm interesse. Se nós não executarmos as obras... Então vamos acabar com as empreiteiras!

Todas as empreiteiras têm interesses em obras, óbvio. Mas o que se ressalva é que o bem público deve estar acima disso. Há escritores em todo o Brasil apoiando João Ubaldo nessa questão, como o Verissimo, Hatoum...
Maravilha! Só que os escritores estão de um lado e o povo está de outro.

O senhor acha isso?
Eu acho.

Por quê?
Porque nós fizemos uma pesquisa, na própria Ilha de Itaparica, e 95% da população aprova a ponte.

A população tem concepção de urbanismo?
(risos) Rapaz, se a população não tem concepção de urbanismo, só quem tem são os escritores?

São pessoas mais aprofundadas em estudos, não?
Se o cara disser... Por exemplo, estou aqui com a estrada que liga Casa Nova a Remanso, Remanso a Pilão Arcado, Pilão Arcado a Campo Alegre de Lourdes, aí desce, passa pela região dos Brejos da Barra. E tem ecologista que acha um absurdo passar uma estrada por um lugar desse.

É um exagero de ecologistas essa questão?
Não, não é exagero. Eu acho que é a necessidade da população. Com isso, eu vou economizar 500 km de Barreiras a Juazeiro.

De onde virá o dinheiro para bancar a obra?
Rapaz, isso é o seguinte. O governo não quer botar dinheiro, não. Nós queremos parceiros. Essa obra será uma PPP (Parceria Público-Privada). Nós queremos parceiros. Quem é que vai pagar o pedágio? A população. Agora, se você analisar, um caminhão que cruza a estrada que sai da BR-116 para Salvador economiza duzentos quilômetros. Ele gasta uma média de três reais de diesel por quilômetro!

Para o pedágio pagar o investimento na ponte vai demorar muitos e muitos anos...
É lógico. Mas o investidor é isso. Nós privatizamos agora a BR-116, aqui na Bahia.

Sim, mas aí é diferente. Esse tipo de investimento não é muito diferente?
Não, o investimento é de um bilhão e seiscentos milhões.

Inicialmente...
Inicialmente. O cara vai ter o pedágio pra pagar, paulatinamente, a aplicação do recurso que ele fez. A ponte é a mesma coisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário