terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Jorge Amado: o escritor e os destinos da Bahia

Trecho de um depoimento de Jorge Amado à tradutora Alice Raillard. Leitura recomendável para este início de fevereiro:

"Estou envolvido com todos os problemas que temos por aqui: a preservação do patrimônio cultural da igreja de Santana, o problema ecológico da Lagoa do Abaeté - aqui uma igreja que querem destruir, ali uma fábrica que querem construir, uma fábrica terrivelmente poluente!... Todo mundo briga, é preciso brigar. A discussão sobre a igreja de Santana já leva anos, e temo que seus dias estejam contados. É uma igreja modesta, mas é um pouco da alma do Rio Vermelho há mais de dois séculos - ainda hoje, a pracinha ao lado da igreja, com a vendedora de acarajés (por sinal deliciosos), é ponto de encontro dos mais antigos do bairro. É assim aqui na Bahia."

"Quero dizer que não sou apenas um escritor, mas, enquanto tal, sou muito ligado à vida do povo baiano há muitos anos, desde a minha adolescência - devido a um conhecimento muito íntimo, um contato muito próximo -, sou alguém que tem uma certa responsabilidade na vida da cidade. Ainda esta manhã, a ex-esposa de Capinam me ligou; tive que ditar uma declaração por telefone, em meio a toda a confusão que havia por aqui, para que ela pudesse datilografá-la e eu assinar. Não ocupo cargo algum, não tenho nenhuma função, não sou deputado, nem banqueiro, não sou rico, não sou nenhuma destas coisas, mas as pessoas vêm me procurar e eu me sinto responsável por tudo o que está ligado aos problemas da cidade, sejam eles sociais ou culturais."

"É uma posição que têm os artistas, os escritores da Bahia. Tome um pintor como Carybé, um cantor como Dorival Caymmi, um escritor como João Ubaldo Ribeiro, Mário Cravo, escultor, Calazans Neto, gravador, e muitos outros, todos eles têm esta postura de cidadãos responsáveis que se tornou quase uma tradição."

"Uma vez, é verdade, perdemos uma batalha ímportante, há uns quinze anos, quando decidiram construir uma fábrica de bióxido de titânio, perto de Arembepe, em Interlagos, um lindo vilarejo ao norte da capital do Estado - o mar, a floresta da Bahia... Nós brigamos de uma forma terrível, Carybé e outros, para impedir a construção. Ninguém queria esta fábrica em lugar algum do mundo, ela foi recusada em toda parte, e terminou por estourar na Bahia! Lutamos e perdemos.

"Aliás, foi daí que nasceu a idéia inicial de um de meus romances, Tieta do Agreste, escrito justamente em cima deste problema: a degradação da natureza, o aniquilamento da natureza no Brasil."

("Conversando com Jorge Amado", de Alice Raillard, Editora Record, 1990)

Nenhum comentário:

Postar um comentário